São Paulo — Ex-policial militar e magistrado do Tribunal de Justiça Militar (TJM) há 30 anos, o juiz Ronaldo João Roth foi afastado de suas funções por dois anos após processo administrativo disciplinar. A decisão por unanimidade dos sete desembargadores, no último dia 16/9, ocorreu após Roth ter revogado a prisão do cabo Eriki Rodrigo Souza Dias, acusado de corrupção passiva.
O polêmico julgamento do cabo Dias, no entanto, não foi o único caso controverso na carreira do juiz. Três dias antes do afastamento, Ronaldo Roth absolveu seis policiais militares acusados de amarrar as mãos e os pés de um homem negro que havia furtado chocolates em um mercado, na zona sul paulistana, em junho do ano passado.
A tortura atribuída aos policiais foi registrada em vídeo (assista abaixo). Na época da ocorrência, os PMs foram afastados. O homem acusado de furto ficou cerca de um mês preso.
Para Roth, os cinco soldados e o sargento não agiram com dolo e cumpriram “diretrizes profissionais”. O magistrado ainda reforçou que o uso de amarras por corda, nos casos de imobilização, é uma medida legal prevista na normatização da Polícia Militar de São Paulo.
Estupro em viatura
Ronaldo Roth foi também o juiz responsável pela absolvição dos policiais militares Danilo de Freitas Silva e Anderson Silva da Conceição, ambos acusados de estuprar uma jovem de 19 anos na Praia Grande, litoral sul de São Paulo, em junho de 2019.
Na decisão proferida em 2021, o magistrado reconheceu a relação sexual, porém, afirmou que a vítima “não resistiu” ao ato e que, por isso, a ação não se configuraria como estupro. Além disso, Roth disse que a jovem “nada fez para se ver livre da situação”.
Danilo Silva, então, foi condenado pelo crime de libidinagem ou pederastia em ambiente militar, com pena a ser cumprida em regime aberto. Já Anderson Conceição, que dirigia a viatura no momento do crime, foi absolvido.
A Defensoria Pública apresentou recurso e o TJM revisou a decisão condenando Danilo a 16 anos de prisão. Anderson foi sentenciado a 7 anos em regime semiaberto.
Em relato, a vítima contou ter pedido ajuda depois de perder o ponto de descida de um ônibus para São Vicente, também no litoral paulista. Os policiais, então, teriam oferecido carona. A mulher foi conduzida a um local deserto, onde o estupro ocorreu.
Homicídio de aposentado
Em outra decisão, de junho deste ano, Ronaldo Roth revogou a prisão do sargento Roberto Marcio de Oliveira, preso no início de maio pelo tiro que matou o aposentado Clóvis Marcondes, de 71 anos, no Tatuapé, na zona leste paulistana. O TJM aceitou pedido de liberdade apresentado pela defesa do policial.
A vítima foi baleada enquanto caminhava até uma farmácia na tarde do dia 7 de maio. Na versão do sargento Oliveira, ele tentava abordar suspeitos em uma moto quando a arma que carregava disparou acidentalmente. A ocorrência foi registrada como homicídio culposo em boletim de ocorrência da PM.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP), no entanto, entendeu que a Justiça Militar não tinha competência sobre o caso, que foi encaminhado à Justiça comum em 28 de maio.
Após pedido do MPSP, o próprio TJM entendeu que havia indícios de dolo eventual na conduta do PM. O Metrópoles não conseguiu entrar em contato com o advogado João Carlos Campanini, que representa Roberto Marcio de Oliveira. O espaço segue aberto.
Relembre o caso do cabo Erik Dias
Na última segunda-feira (16/9), o TJM decidiu pelo afastamento do juiz Ronaldo João Roth. Em manifestação obtida pelo Metrópoles, o tribunal pontuou que ele teria, “em tese”, descumprido seus deveres como magistrado quando relaxou a prisão do cabo Erik Rodrigo Souza Dias.
O policial tinha sido preso pela suspeita de realizar “diversas e constantes consultas” nas escalas das equipes da Polícia Ambiental “com o único objetivo de repassar essas informações privilegiadas e totalmente sigilosas […] a pessoas envolvidas com pesca ilegal”, diz trecho de documento.
Ao todo, o cabo realizou 364 consultas, informando aos infratores os locais em que as equipes de policiamento ambiental iriam fazer patrulhamento, “evitando, assim, que [os pescadores] fossem autuados ou até mesmo presos”.
De acordo com o TJM, Roth “deixara de cumprir e de fazer cumprir com exatidão as disposições legais”, em 20 de outubro do ano passado, quando “decidiu revogar a prisão preventiva do réu”. Na ocasião, Roth presidia o Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria Militar e foi o primeiro a votar na sessão que julgou o caso.
Segundo os desembargadores que afastaram o magistrado, a conduta do juiz representou “evidente afronta ao princípio da hierarquia da jurisdição”. Procurado, Roth não havia se manifestado até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto.
O corregedor-geral da Justiça Militar paulista, desembargador militar Silvio Hiroshi Oyama, designou o juiz da 6ª Auditoria Militar, Dalton Abranches Safi, para ocupar o lugar de Roth.
Em nota, o TMJ afirmou que, além do caso que gerou o afastamento do juiz, ele já havia sido punido “por outros fatos”, no ano passado, “com duas penas de advertência e uma de censura”.