Com previsão de acordo para alfabetização de surdos expirar na próxima quinta-feira (21/12), os pais de crianças com deficiência auditiva temem que a Secretaria de Educação não renove termo de cooperação com o Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni (CEAL-LP). O modelo atual atende 24 crianças e permite que esses estudantes aprendam a ler e a escrever por meio da oralidade aos meninos com surdez.
“Nós pais não sabemos onde nossos filhos estudarão em 2024”, disse o presidente da Associação dos Pais e Amigos do CEAL (APAC), o servidor público Márcio Claudino Bessa, 51. A filha de Márcio tem 6 anos e tem um grau profundo de surdez nos dois ouvidos. Ela usa o implante coclear que permite restaurar a função auditiva e é a base usada no Bloco Inicial de Alfabetização (BIA), que tem o risco de ficar de fora no termo de cooperação.
Desde outubro, os pais pressionam o Governo do Distrito Federal para uma solução às crianças surdas em fase de alfabetização, mas alegam que não tiveram respostas por parte do GDF. “Os pais estão em pânico e angustiados. Se o acordo não for assinado, a evolução das crianças cessará”. O acordo de cooperação atual tem vigência até 21 de dezembro, quando completa 60 meses.
Surdos que ouvem
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Surdos que ouvem
Hugo Barreto/Metrópoles
Surdos que ouvem
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O bloco é voltado para atender crianças com deficiência auditiva que sabem se comunicar pela fala, chamadas de oralizadas. São crianças em processo de aquisição da Língua Portuguesa em suas modalidades escrita e oral. É um processo transitório, ao final do terceiro ano no BIA, essas crianças são inseridas no ensino regular de ensino, já alfabetizadas.
Choro, emoção e paciência: adaptação dos surdos que ouvem pela 1ª vez
“Nossas crianças ainda não estão preparadas para as salas de aulas regulares. O programa BIA 1, 2 e 3 visa adequar ao máximo a idade biológica com a auditiva.Nossas crianças não conhecem Libras [Língua Brasileira de Sinais], como elas vão estudar se a secretaria não oferece oralização?”, questionou Bessa.
A dona de casa Galba dos Santos Silva, 39, sai às 4 horas da manhã de segunda a sexta para levar o filho Caio, 10, às aulas no CEAL. Ele colocou o implante aos 3 anos e antes disso não falava nada. “O processo é lento e gradual. Começa com as vogais e o método das boquinhas, aí vai evoluindo começa a introdução das consoantes é em seguida palavras”, detalhou a mãe.
Enquanto aprende a falar, Caio aprende a ouvir. Uma criança sem deficiência auditiva começa a ter estímulos sonoros ainda no útero, já a criança surda começa a aprender somente após o contato com o implante. Dessa forma, os pais alertam que ter uma educação voltada para esse modelo e com poucos alunos na sala é o ideal para o desenvolvimento dos filhos.
“O ensino no CEAL não ignora as realidades, o histórico e condições de audibilidade e fala de cada criança. Sabendo onde cada uma está nesse caminho, é possível fazê-las progredir”, afirmou a servidora pública, Roberta Lima Ferreira, 48, mãe de Letícia, 6.
“Sei que o BIA do CEAL teve grande papel nisso porque observei o ‘salto’ desde a primeira semana de escola, quando ela logo começou a falar os nomes da professora e dos colegas de turma – o que não fez em dez meses em outra escola”, acrescentou Roberta. Ela ainda destacou que a filha prosseguiu com novos vocábulos, conhecimentos e ainda com a vontade de ir para a escola todos os dias, com maior entrosamento com os colegas.
“Ela precisa continuar se desenvolvendo num ambiente que, de um lado, não inviabilize a sua surdez, e de outro, reconheça o seu direito a aprender a ouvir e a falar, no seu próprio tempo”, ressaltou.
Na fila
Com a expectativa de que a filha tenha a alfabetização oralizada no Ceal, a servidora pública Monaliza da Silva, 43, está na fila para conseguir uma vaga para Poliana, 5 anos. A família saiu do Rio de Janeiro para Brasília por oportunidades de trabalho e descobriu no DF o modelo de ensino que visa estimular a oralização da filha.
“A minha filha e a maioria das crianças não-ouvintes têm um déficit cognitivo porque a criança tem um atraso na fala. Então não dá para equiparar a minha filha de cinco anos a uma outra criança ouvinte na mesma idade. Ela não tem essa mesma desenvoltura. E a escola trata isso de uma forma pequena, eles não consideram isso e a alfabetização é a base de tudo”, acrescentou.
MPDFT pede explicações à Educação não responde
Desesperados com a possibilidade de encerrar o modelo de ensino, a Associação dos Pais e Amigos do CEAL (APAC) encaminhou ofício ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em outubro, para solicitar a intervenção do órgão de controle sobre a possível interrupção do ensino. Segundo os cálculos da APAC, 70 crianças nos próximos cinco anos podem ser prejudicadas com a recusa do Governo do Distrito Federal (GDF).
Em nota, o MPDFT destacou que “a Promotoria de Justiça de Defesa da Educação (Proeduc) requisitou informações sobre a questão e ainda não teve resposta da Secretaria de Educação”. No entanto, mesmo questionados, o ministério público não comunicou quais questionamentos foram feitos, alegando apenas que foram solicitadas informações sobre o termo de cooperação e ainda não teve resposta da Secretaria de Educação.
Para a conselheira da APAC, Roberta Lima Ferreira, 48, a Secretaria de Educação não reconhece o trabalho desenvolvido na oralização das crianças surdas para a alfabetização. “A SEEDF alega que o CEAL não faz ‘nada de diferente’ do que já existe na rede de ensino do DF para deficientes auditivos em oralização. Eu queria que eles mostrassem onde realizam esse serviço que dizem ter”, reclamou a mãe de Letícia, 6, uma criança surda oralizada.
“Mais uma vez, demonstram não diferenciar surdo assistido por tecnologia de crianças ouvintes, pois o serviço que a SEDF presta foi pensado para ouvintes”, completou.
Questionada, a Secretaria de Educação informou em nota que “está evidando todos os esforços para celebração do novo Acordo de Cooperação com o CEAL e reforça que nenhum estudante com deficiência auditiva que opte pela oralização deixará de ser atendido no ano letivo de 2024”.
O Metrópoles questionou quais esforços são esses, mas não teve resposta até a publicação da reportagem.
Surdez não tem cura
“Não existe cura para surdez”, afirmou a coordenadora da Saúde no Ceal, Cristiane Scardovelli. “Uma pessoa que usa uma prótese na perna, por exemplo, deixa de ser deficiente porque tem esse apoio? Ela precisa então se rastejar para mostrar que é deficiente?”, questionou.
Existe uma janela de oportunidade que geralmente é até os 3 anos para o desenvolvimento da fala. Não existe surdo-mudo, mas pessoas não receberam o estímulo nessa época, por isso que é também uma corrida contra o tempo para oralizar uma criança e garantir uma maior acessibilidade a ela”, ressaltou.
O implante coclear e os aparelhos auditivos são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde. Neste ano, a Secretaria de Saúde ofereceu 28 implantes cocleares e 2.351 aparelhos auditivos.
No Brasil, há cerca de 300 Centros Especializados em Reabilitação (CER) habilitados pelo Ministério da Saúde. Desses, 143 oferecem serviços de reabilitação auditiva. Além disso, também são disponibilizados 127 Serviços de Reabilitação Auditiva, classificados como Serviço de Atenção à Saúde Auditiva na Média e Alta Complexidade.
“Para ter acesso ao tratamento na Rede de Cuidado à Pessoa com Deficiência (RCPD), o usuário deve procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de sua residência para avaliação por meio da Atenção Primária à Saúde”, informou o Ministério da Saúde em nota.
“Caso seja necessário, será feito um encaminhamento para uma equipe multiprofissional de um serviço da Atenção Especializada em Reabilitação, que fará o acolhimento, avaliação e um projeto terapêutico de acordo com sua condição clínica”, completou a nota.