Hélio Garcia disse que “se você não prometer, não se elege”, e “se fizer o que prometeu, não governa”. Ou seja, o estelionato está na base do sistema eleitoral. São duas lógicas diferentes, a do voto, e a da composição. Hélio Garcia ditava máximas dignas dos grandes políticos brasileiros e mineiros, que povoaram a nossa política, e que já não existem mais. É atribuído a Benedito Valadares, ex-governador de Minas Gerais, estar saindo com seu motorista do Palácio da Liberdade ao meio de uma manifestação, ao ser perguntado pelo seu motorista se deveria ir rápido ou devagar, teria respondido “’rápido o suficiente para não nos alcançarem, devagar o suficiente para não acharem que estamos fugindo”. O saudoso Tancredo Neves, quando então candidato a Presidente da República, flagrado cochilando no Senado e questionado por jornalistas, teria dito: “vocês preferem eu dormindo, ou o Maluf acordado?” Sabias considerações.
O estelionato eleitoral salva-nos de abusos que possam ocorrer. Milei, para o bem da Argentina, após eleito, avisou que não fará nem a “dolarização” da economia, nem o fechamento do Banco Central. Ainda bem! Em verdade, Milei toma atitudes radicais no espectro da economia neoliberal, em uma época onde o paradigma mundial do liberalismo econômico, que prevaleceu entre a dissolução da União Soviética em 1991 até o início da Guerra da Ucrânia em 2002, desvanece em seus últimos suspiros.
Com a Guerra da Ucrânia, a globalização foi “fechada para balanço”. O homem Schumpeteriano, do mercado e da inovação, acaba de falecer. Toma o seu lugar o homem oligopolicus, o mandante das regras e coletor dos lucros. Por sinal, o Brasil tem know how de sobra neste campo, que podemos exportar. Na Argentina, não será diferente. “El Loco, pero no tanto”. Formas amorfas na economia entre o prometido na campanha e o exercido no poder sempre incorrem, que ficam nem tanto “prá lá”, nem tanto “prá cá”. Como se diz na gíria política, mais para “Inglês ver”.
Os decretos iniciais de Milei para a Argentina, como base para desenvolvimento, não vão funcionar. Privatizações, emprego, e capital estrangeiro como propostos serão uma “pá de cal” na já esfacelada economia argentina, posto a inexistência do “homus Adam-Smithiano”, mais incidente no mundo anglo-saxão do que em outros lugares. Sobram as medidas políticas autoritárias de extrema direita, estas sim, efetivas. Los Hermanos choram pelo que há de vir com Milei, dissonado que está no futuro próximo. A Argentina, no que elegeu, torna-se a vítima, do que elegeu. Como no Brasil, com Bolsonaro. Ou, quem sabe, provavelmente, ainda pior. As eleições de Milei e Bolsonaro não significaram a eleição de projetos genuínos, mas uma exemplificação aos governantes anteriores de que devam funcionar, ao custo de serem substituídos mesmo pela irracionalidade. E o eleitor? Tudo bem, votará nas próximas eleições. Vida que segue.
Como em Caetano Veloso entoando o fado, “navegar é preciso, viver não é preciso”.
Bom Ano Novo a todos!
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus