São Paulo — O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu seis vezes a favor de pedidos de juízes e associações por vantagens financeiras como penduricalhos e verbas atrasadas ao longo deste ano. No período, o órgão se debruçou sobre 16 requerimentos de auxílios, abonos, gratificações e direitos feitos por magistrados.
Os casos foram levantados pelo Metrópoles com base nas pautas de julgamentos do CNJ entre janeiro e novembro deste ano. O órgão foi criado em 2005 para fazer o controle externo administrativo e disciplinar do Judiciário. Ao longo dos anos, tem sido também uma das vias pelas quais magistrados têm buscado engordar seus contracheques.
Conforme mostrou o Metrópoles nessa segunda-feira (9/12), tribunais de todo o país pagaram R$ 12 bilhões a juízes e desembargadores a título de indenizações, direitos eventuais e pessoais no período de um ano, segundo dados do CNJ. Os números mostram que 125 juízes receberam mais de R$ 500 mil em um único mês.
Todas as decisões levantadas pela reportagem foram tomadas em plenário virtual, ou seja, longe das câmeras da TV institucional do CNJ. Dos 16 pedidos por penduricalhos e indenizações julgados, seis foram aceitos, cinco foram adiados e cinco rejeitados.
Liminares
Duas decisões obtidas pela reportagem são liminares, ou seja, tomadas em caráter de urgência por um único conselheiro, e estão pendentes de um julgamento colegiado. Ambas são assinadas pela juíza Renata Gil, ex-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB).
Em maio de 2024, a conselheira suspendeu uma decisão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), órgão ligado ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), que havia restringido acesso de juízes trabalhistas à gratificação de por exercício cumulativo de jurisdição, paga a juízes que acumulam mais de uma vara ou, em tribunais, mais de um órgão colegiado.
O CSJT estabeleceu que desembargadores devem receber a gratificação caso acumulem dois órgãos fracionários, como seções e câmaras de tribunais. Antes, bastava a um desembargador participar do plenário e de outro colegiado, o que praticamente garantia o pagamento a todos os desembargadores.
Ao suspender a decisão, Renata Gil atendeu a um pedido da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anajustra), apoiado pela AMB, que foi presidida pela conselheira até a véspera de sua indicação ao CNJ. Segundo ela, a decisão fere a legislação e a jurisprudência do próprio CNJ, que concede o pagamento nesses casos.
Da AMB para o CNJ
Em outra liminar, Renata Gil deu acesso ao mesmo benefício a diretores de associações de juízes do trabalho. Quando exercem cargos de direção dessas entidades, juízes ficam licenciados da toga. Seus tribunais haviam barrado os pagamentos por entenderem que, ao exercerem a direção de associações, não poderiam receber a gratificação por acumulação de jurisdição.
A conselheira considerou que o pagamento já foi autorizado em outras situações pelo CNJ e que ao vetá-lo os tribunais violam a liberdade constitucional de “associação” dos juízes, que seriam desestimulados a dirigir associações de classe.
Licenças e acúmulo
Em plenário, o CNJ também decidiu pagar um saldo retroativo em gratificações por acúmulo de acervo para juízes que desempenhassem funções consideradas “singulares”, como designados ao CNJ ou a Cortes Superiores, ou para exercício de mandato em associações de classe.
O órgão havia concedido o pagamento a esses juízes, mas, em maio desse ano, esticou a data das verbas devidas de outubro de 2023 para janeiro de 2022. O relator foi o conselheiro João Paulo Schoucair, oriundo do Ministério Público.
Em um pedido de associações de magistrados, o plenário virtual do CNJ determinou ao Tribunal de Justiça do Ceará que regulamente o pagamento de licenças prêmio. O relator foi Alexandre Teixeira, oriundo da Justiça do Trabalho.
O plenário do CNJ também ordenou o pagamento de verbas de substituição a juízes substitutos que estiverem em mandatos como dirigentes de associações de classe. Trata-se de um pagamento correspondente à diferença entre o subsídio recebido pelo titular da vara e pelo substituto.
Com a decisão, juízes que se afastarem do exercício para dirigir associações continuariam a receber a verba, e não apenas a remuneração de juiz substituto, que é menor. O relator foi Marcus Jardim, que veio da advocacia. Renata Gil apresentou a divergência e foi vencedora para afastar uma regra de transição proposta por Jardim segundo a qual tudo passaria a valer depois da instauração do processo no CNJ, para evitar o pagamento de retroativos.
A pedido da Associação Paulista de Magistrados, os conselheiros também mantiveram o pagamento da sexta parte, uma bonificação por tempo de serviço, fora do teto. O saldo seria congelado e absorvido pelo subsídio dos magistrados na medida em que eles forem reajustados. A relatoria foi de Jane Granzoto, ex-conselheira oriunda da Justiça do Trabalho.
Fora da fila
O Conselho Nacional de Justiça e outros conselhos ligados ao Judiciário, assim como sessões administrativas dos órgãos especiais dos tribunais, não são esferas judiciais. Todas as decisões desses colegiados são administrativas. Quando o julgamento é favorável nessas esferas, pagamentos são feitos fora da fila de precatórios, onde se acumulam créditos devidos a outros servidores, como professores e policiais.
Quando pedidos são feitos por associações de magistrados, valem para todos os filiados delas. Essas decisões também geram efeitos cascata: uma vez concedido por um conselho de um ramo da Justiça ou pelo CNJ, acabam sendo usadas por tribunais para conceder pagamentos a seus juízes, como uma espécie de precedente.
Penduricalho bilionário
Um desses exemplos ocorreu quando o Conselho da Justiça Federal (CJF) ressuscitou o adicional por tempo de serviço, conhecido como quinquênio, que havia sido extinto em 2006. Trata-se de um aumento automático de 5% a cada cinco anos a juízes. A decisão do colegiado mandava pagar todos os atrasados dos últimos 18 anos a magistrados filiados à Associação dos Juízes Federais (Ajufe).
A decisão foi questionada no CCNJ, que barrou o pagamento e, em seguida, liberou novamente. A partir de então, tribunais têm reproduzido a mesma decisão em sessões administrativas e concedido os pagamentos atrasados. Como mostrou o Metrópoles, nessa esteira, foram pagos mais de R$ 500 mil a 125 juízes em supersalários no último ano. O impacto em todo o país é bilionário.
O que diz o CNJ
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirma que o “Poder Judiciário possui independência e administra o orçamento dentro da legalidade”. “A aplicação do teto constitucional no Poder Judiciário é regulamentada pelas Resoluções n.13/2006 e 14/2006 do Conselho Nacional de Justiça, que detalham as verbas que estão excluídas da incidência desse teto”, diz.
“A Corregedoria Nacional de Justiça é responsável por acompanhar, apurar e determinar a suspensão de casos irregulares de pagamento a magistrados e servidores do Judiciário. Ou seja, os salários são fixados por cada tribunal e o CNJ exerce um controle posterior e examina eventual ilegalidade”, afirma.
O CNJ afirma ainda que “o Judiciário mantém o mesmo teto salarial desde 2018”, quando o Senado aprovou o PLC 27/2016, “apenas com o reajuste da inflação”. Portanto, diz o órgão, “jamais ultrapassou os limites de gasto”.
“Importante destacar que o CNJ não faz pagamentos de precatórios, uma vez que são pagos por meio de verbas da administração pública e essa modalidade de pagamento está prevista na legislação. Cabe ainda esclarecer que eventuais pagamentos de precatórios são oriundos de decisões judiciais transitadas em julgado”, conclui.