A violência policial no Distrito Federal aumentou em sete vezes nos últimos três anos. De 2020 a 2023, a quantidade de casos passou de 11 para 78. Apenas no ano passado, o número foi o dobro do registrado no período anterior.
Os dados são da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que identificou um aumento significativo de denúncias relacionadas à violência policial na capital federal. É importante destacar que esses são registros enviados diretamente para a comissão apurar.
“Sendo assim, ressaltamos nossa preocupação com a tendência de crescimento de episódios dessa natureza, especialmente os casos com registro de vítimas fatais [sic] relacionadas às operações policiais”, destaca o relatório. “Percebemos a presença forte do autoritarismo como marca histórica de construção do ser policial na sociedade brasileira e que tem se multiplicado nos últimos anos em todo o Brasil”, destaca outro trecho do estudo da comissão.
Recentemente, o assassinato do feirante Cledson de Caldas, em plena véspera de Ano-Novo, chocou moradores do Distrito Federal. Na noite de domingo (31/12), um policial militar de folga atirou contra o rosto do trabalhador, após uma discussão numa lanchonete. O cabo Bruno Correa da Hora Fernandes efetuou dois disparos contra o feirante: o segundo atingiu o braço da vítima, que morreu no local.
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A morte de Cledson não consta no relatório, que já tinha sido finalizado antes de o crime ocorrer. Ainda assim, é um alerta que preocupa os integrantes da comissão.
“Temos policiais, não só militares, mas civis, penais que atuam de forma violenta, desproporcional na folga”, declarou o presidente da comissão, deputado distrital Fábio Félix (Psol). “Muitas vezes, eles se envolvem em outros conflitos [que não da atividade policial] ou mesmo seus próprios conflitos pessoais e utilizam a arma de fogo, uma arma funcional. Eles ostentam essa arma de forma violenta, desproporcional, ameaçando os civis, a população que está naquele contexto”, completou o parlamentar.
O relatório deve ser entregue na próxima semana para a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, para que a pasta investigue. O órgão é obrigado a responder à comissão sobre o andamento das investigações.
Em uma das respostas à comissão, a Polícia Militar do Distrito Federal informou que as denúncias na corregedoria são “prontamente investigadas” e que há “materialidade infracional” em 137 ocorrências, que envolvem ações de lesões corporais e de abuso de autoridade por parte de agentes do Estado.
Inquéritos abertos
De acordo com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em 2023, foram abertos 27 inquéritos policiais militares e sete denúncias foram ajuizadas contra integrantes da Polícia Militar do Distrito Federal. O MP destacou que o controle externo é feito pela Promotoria de Justiça Militar .
Em nota, a Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) informou que acompanha seis casos contra policiais por questões de ameaças e violência desde janeiro de 2023.
A instituição ainda destacou que faz o acompanhamento de vítimas e seus familiares movidos por questões étnico-raciais. “Visto que as vítimas de violência policial são, em maioria, pessoas negras”, afirmou em nota.
Recorde em número de mortes
O número de mortes por intervenção da PMDF bateu recorde histórico em 2023, mesmo antes de o ano acabar. No ano em questão, a Polícia Civil do DF (PCDF) registrou 20 ocorrências de “morte por intervenção de agente do Estado”, com vítimas de policiais militares. O índice apurado é o maior desde 2018 e corresponde a 10 vezes mais do que o consolidado naquele ano.
As estatísticas são da PCDF, e foram levantadas pelo Metrópoles via Lei de Acesso à Informação. Os dados referem-se ao período entre o ano de 2018 e 31 de outubro de 2023. O consolidado do ano passado, porém, será ainda maior. Em 22 de dezembro último, um homem foi morto com dois tiros disparados por um policial militar, em Taguatinga Norte, durante abordagem em prostíbulo.
Segundo a corporação, o suspeito estaria armado com um pedaço de madeira com pregos fixados na ponta e teria reagido à chegada da PMDF. Casos como esse são investigados pela Polícia Civil, que apura possíveis responsabilidades.
A PCDF só registrou dois casos de mortes por intervenção de agente do Estado da PMDF em 2018. O número subiu para sete e oito em 2019 e 2020, respectivamente. Em 2021, houve queda, com cinco. Mas o dado triplicou no ano seguinte, com 15 em 2022. Por fim, até os últimos registros, entre janeiro e outubro de 2023, foram 20.
Lesões corporais
Muitos casos de possíveis violências cometidas por integrantes da PMDF são investigados pela própria corporação, que julga se seus policiais praticaram ou não abuso de autoridade. Como não há, no Departamento de Controle e Correição da Polícia Militar do DF, uma ferramenta de consulta pública sobre essas investigações, os dados poucas vezes chegam ao conhecimento da população.
Por isso, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) enviou uma série de requerimentos com pedidos de informações à PMDF. Em um deles, o colegiado questionou sobre as denúncias de violência policial.
Bodycams
Uma medida apontada para reduzir a violência policial é a implementação de câmeras corporais em uniformes da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). A corporação pretendia começar um projeto-piloto em 2023, com quase 2 mil bodycams em funcionamento neste ano. Mas a licitação acabou travada, e esse monitoramento ficará para 2024. Segundo o Tribunal de Contas do DF (TCDF), a PMDF precisa enviar manifestações ao órgão para dar andamento ao processo.
O Departamento de Logística e Finanças da Polícia Militar do DF abriu pregão para contratar empresa especializada, em 27 de setembro, com valor estimado em R$ 21 milhões. Mas, em 20 de outubro, a PMDF suspendeu o processo.
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Na época, a corporação afirmou que a suspensão aconteceu “em decorrência do significativo volume de solicitações de esclarecimentos e impugnações apresentadas pelas empresas interessadas na licitação”. Posteriormente, em 8 de novembro, o TCDF determinou que a licitação continuasse suspensa para que fossem corrigidas falhas.
Briga em lanchonete, morte no trânsito
O policial Bruno Correia da Hora Fernandes estava acompanhado da esposa e um casal de amigos quando decidiu lanchar em um estabelecimento da CNM 1. No local, havia o motorista de um Gol, que aparentava estar alterado e importunava funcionários e clientes, segundo relataram testemunhas no boletim de ocorrência. Era Cledson.
De acordo com os depoimentos, Bruno teria ido conversar com ele e o orientado a ir embora. Após discutirem, Cledson teria deixado o local e, na sequência, o policial também foi embora.
No entanto, na saída, eles voltaram a se encontrar, em um semáforo da Avenida Hélio Prates. À polícia o PM disse que Cledson teria socado o vidro do carro e o ameaçado de morte. Alegando temer pela vida, o militar atirou.
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Amigos e familiares de Cledson questionam a ação do policial e pedem justiça. Eles falam que a morte dele foi covardia, uma vez que o feirante foi morto com tiros pelas costas. “Que não fique impune. Quem fez isso destruiu sonhos, destruiu uma família e o coração de vários amigos”, comentou uma amiga de Cledson nas redes sociais.
Após constatar que Cledson estava ferido, Bruno acionou o Corpo de Bombeiros Militar do DF e compareceu à 15ª DP para se apresentar com a arma de fogo. Ele não foi preso. Bruno é lotado no Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA).
Outro lado
Em nota, a Polícia Militar do Distrito Federal destacou que se encontra entre as unidades da federação com o menor índice de letalidade do país, mostrando dessa forma seu alto grau de profissionalismo.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o DF se manteve como o ente da federação brasileira com o menor índice para a proporção de mortes decorrentes de intervenções policiais em relação às mortes violentas intencionais, com 2,3% em 2021 e 2,6% em 2020. A média nacional para esse índice ficou em 12,9% e 12,7% para os anos de 2020 e 2021.