“É um caso que fere todo e qualquer princípio de moralidade administrativa”. Assim o promotor titular da 3ª Promotoria de Justiça Militar do Distrito Federal, Flávio Milhomem, classificou o caso dos 14 policiais militares suspeitos de terem torturado um soldado da corporação. O caso teria ocorrido em abril deste ano durante o curso de formação do Batalhão de Choque (Patamo).
Milhomem foi o promotor que recebeu a denúncia do caso pela família da vítima. “Inicialmente, os familiares da vítima nos procuraram enquanto ela se encontrava internada na UTI, em um hospital em Taguatinga”, contou em entrevista ao Metrópoles.
Segundo ele, a denúncia chegou em uma quarta-feira. Cinco dias depois, os 14 estavam sendo presos. Eles passaram um dia detido e foram soltos após uma decisão judicial. O promotor ressalta que, apesar de estarem respondendo em liberdade, os militares não estão isentos da investigação.
“Eles passaram 24 horas presos e tiveram a liminar concedida pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Isso não significa que a responsabilidade penal deles tenha sido já resolvido. Só que eles vão responder à acusação que eventualmente será feita em liberdade”, disse Milhomem.
Há 30 anos no MPDFT e 10 a frente da 3ª Promotoria Militar, ele considera esse caso como um dos mais marcantes da carreira. “É um caso que fere todo e qualquer princípio de moralidade administrativa e que nos faz perguntar se esses policiais, ao tomar esse tipo de conduta contra um colega, o que não fariam contra o cidadão na rua. E daí a importância da realização do controle por parte do Ministério Público”.
Relembre o caso
Em abril deste ano, um homem de 34 anos diz que foi agredido por um grupo de soldados da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) durante um curso de formação do Batalhão de Choque da corporação, o Patamo. Em depoimento, à época, a vítima afirmou que as agressões tiveram início após ele se recusar a desistir da formação.
Segundo o documento, por volta das 8h15, o coordenador do curso de Patamo o retirou de forma no momento da apresentação dos uniformes e itens do curso. O superior teria dito que o soldado “não formaria no curso, e que ele não mediria esforços para fazer com que ele desistisse, nem que fosse na base da ‘trairagem’”. “Ainda falou ao declarante que o desligaria do curso por deficiência técnica ou lesionado”, completa o depoimento.
Depois, tiveram início as torturas e agressões. O tenente mandou o soldado ir para uma espécie de caixote de concreto onde o depoente foi obrigado a ficar em pé por cerca de 1h30 e o proibiu de participar das atividades do dia.
“O tenente voltou ao local trazendo uma ficha de desistência, um capacete e um fuzil. O ordenou a empunhar o fuzil e ficar na posição de pronto-arma (fuzil cruzado no peito, sem encostar) durante aproximadamente 30-40 minutos sob a supervisão de dois soldados.”
Ainda de acordo com o depoimento, os soldados e o tenente responsável pelo curso teriam xingado e jogado gás lacrimogênio nos olhos da vítima.
“O tenente voltou ao local e o obrigou a assinar uma das fichas, qual seja, a ficha de responsabilização e que após assinar, o tenente o agrediu com um pedaço de madeira e ordenou que ele corresse em volta do BPChoque cantando os seguintes dizeres ‘Eu sou um fanfarrão, eu gosto de atenção… eu sou o coach do fracasso, eu me faço de palhaço… eu envergonho a minha família, eu envergonho a minha unidade… eu sou carente e ninguém gosta de mim’. Enquanto corria e cantava, o tenente, a todo momento o agredia com o pedaço de madeira na região da panturrilha e dos glúteos e proferia ofensas ao depoente”, detalha o depoimento.
Próximos passos
O caso ainda está em investigação. O MP pediu a quebra de sigilo telefônico dos PMs e foi atendido pela Justiça do DF.
Agora, cabe à Corregedoria da PMDF finalizar o inquérito e encaminhar ao Ministério Público — que pode apresentar denúncia à Justiça ou arquivar o processo.