Os vira-latas entram em campo (por Gustavo Krause)

O que diria o insuperável dramaturgo e cronista da vida como ela é, em prosa/poética, se assistisse aos jogos do nosso escrete (antigo, não?) na Copa América realizado no país que gosta de um futebol jogado com pé, mão e atletas fantasiados de máquinas? Quem sou eu para compreender a percepção do genial escritor que, como poucos, mergulhava na misteriosa profundeza da alma humana?

O “Freud carioca”, nascido no Recife, tinha uma sequela que reduzia a visão plena do jogo. Havia sempre uma companhia que soprava aos seus ouvidos lances complicados para o olhar limitado, porém, compensado pela inesgotável imaginação criadora. Não à toa imortalizou centenas de frases, entre elas, a que revelou o futebol como uma metáfora da vida: “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola. A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana”.

Seu biógrafo, não menos genial, Ruy Castro, selecionou 70 crônicas publicadas entre 1955 e 1970 na Manchete Esportiva e em O Globo intituladas À sombra das chuteiras imortais: crônicas do Futebol (São Paulo: Companhia das Letras, 1993). Na vasta produção, Ruy percebeu que o jogo era um pretexto para Nelson, em prosa/poética, lírica, cortante, extrair da estética emocionante da competição as paixões humanas. Para o organizador, o livro é “o canto primeiro e único à epopeia do futebol brasileiro”.

Mas voltemos à questão inicial: o que diria Nelson sobre o futebol brasileiro? Importante lembrar que ele foi, certamente, o único jornalista brasileiro que acreditou na seleção de 1958, mergulhado no que definiu “complexo de vira-latas, a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo” a partir do trauma do maracanazo, derrota humilhante diante do Uruguai, na Copa de 50 e aprisionado no “narcisismo às avessas que cospe na própria imagem”.

Entre tragédia e glória, houve a decepcionante Copa de 66 na Inglaterra e a supremacia consagrada pela conquista, em 1970, da Taça Jules Rimet. Mais dois campeonatos mundiais somam cinco títulos que ainda representam um penta eloquente, porém, debilitado.

Mais que debilitado, o futebol brasileiro emite evidentes sinais de decadência. Dentro e fora do campo. As múltiplas razões não permitem a soberba de prescrever receitas. Entretanto, cabe reconhecer a necessidade de profundas transformações.

Fora do campo, a anacrônica estrutura organizacional e gestões temerárias, para dizer o mínimo, comprometem gravemente os princípios democráticos da alternância dos poderes e da transparência no exercício da governança nos clubes e nas (con)federações.

Como chegamos, assim, à hegemonia do futebol mundial? Respostas simples: dentro do campo a quantidade e a qualidade dos atletas campeões, involuntariamente, protegiam os desmandos da cartolagem.

De outra parte tudo mudou. O futebol que já nasceu com o timbre da globalização (império britânico) rendeu-se aos encantos do mercado, tornou-se um negócio bilionário, assimilou sistemas de jogo, adotou avançados métodos de preparação, treinamento, sistemas táticos eficientes. E nós atolados na lama do atraso

A despeito do fenômeno transnacional, o futebol “carrega o conflito essencial da globalização”, afirma Eric Hobsbawn (citado por José Miguel Wisnik em Veneno Remédio – O futebol e o Brasil – São Paulo: Companhia das Letras, 2008) suportando a dialética de empreendimentos globais e a fidelidade local dos torcedores para com seus clubes do coração.

Plural, multiétnico, modalidade esportiva de acesso democrático, incubadora de personagens e identidades, o futebol é o maior espetáculo da Terra. E o Brasil onde fica neste complexo cenário? A oitava economia do Planeta, entre crises e oportunidades, regrediu no tempo: era, na década e 50, uma nação exportadora de matéria-prima e importadora de manufaturados; hoje, diz Juca Kfouri, com a perspicácia de sempre, “exporta talento fresco (pé-de-obra) e importa envelhecido”.

Curioso: os meninos brilham nos clubes e são opacos na seleção. Decolaram (merecidamente) e descolaram da mística da seleção. Agora, entram em campo como verdadeiros vira-latas carregando o peso do novo complexo: “o bonitão e frouxo pastor alemão”, medindo sete metros de comprimento por um de largura.

Que tristeza! Meu sentimento faz lembrar uma passagem do livro de autoria de Eduardo Galeano Futebol – Ao sol e à sombra que reproduz o diálogo de uma jornalista com a teóloga alemã Dorothee Solle: – Como a senhora explicaria a um menino o que é a felicidade? – Não explicaria – respondeu – daria uma bola para que jogasse.

A criança entende perfeitamente a bola muito antes de entender as palavras.

E a nossa bola voou… enquanto o “Olé” dos garotos da Seleção Espanhola encantou o mundo.

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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