Ainda não assisti ao filme Maníaco do Parque, que estreou na plataforma de streaming Prime Video, mas li e ouvi o que a imprensa publicou. Tenho uma história a acrescentar.
O filme traz o caso real do serial killer Francisco de Assis Pereira, o motoboy que aterrorizou São Paulo e chocou o Brasil inteiro, em 1998.
Ele estuprou e assassinou comprovadamente sete mulheres e tentou matar outras nove. Preso, aumentou a conta macabra para 11 mortes e 23 vítimas de estupro. Foi condenado a 260 anos de prisão, mas como a pena máxima de cumprimento de pena no país é de 30 anos, Francisco de Assis Pereira poderá sair da cadeia em 2028.
O criminoso ganhou o apelido porque usava como teatro dos seus crimes o Parque do Estado, na capital paulista.
A revista Veja, na qual eu era editor-executivo, vinha cobrindo o caso de perto e, depois que Francisco de Assis Pereira foi preso, obteve a sua confissão antes da polícia.
O furo jornalístico da Veja foi assunto muito lateral de algumas matérias sobre o filme recém-lançado, mas ele esteve no centro das atenções em 1998, não só por causa da confissão exclusiva, estampada na capa da revista com a frase “Fui eu”, que a repórter ouviu do criminoso, mas porque a Veja foi acusada de ter comprado o acesso a Francisco de Assis Pereira.
Não estive direta ou indiretamente envolvido na confecção da reportagem, tratada com grande segredo entre o então diretor de redação da Veja, falecido em 2006, e a editora da área de cobertura policial. Mas, como um dos editores-executivos da revista, fui colocado a par das circunstâncias que permitiram o furo jornalístico e me vi envolvido quando a revista foi alvo da Rede Globo.
A Veja não comprou o acesso ao criminoso com dinheiro, mas a reportagem também não saiu de graça. Do jeito que o episódio foi contado em um podcast, parece que a repórter surgiu do nada na frente do criminoso, driblando policiais meio bobocas, e gravou a confissão feita por ele, na sua primeira conversa com a advogada, para total surpresa dela, a advogada, também.
Não foi bem assim. O diretor e a editora foram eficientes para convencer a advogada a enganar o seu cliente e a colocar a repórter, uma excelente profissional, diante de Francisco de Assis Pereira, como se fosse assistente da defesa. Ele não sabia que era uma jornalista que estava presente. Com isso, a advogada, que morreu em 2010, infringiu o dever de sigilo com o cliente. Como Balzac fez dizer um dos seus personagens jornalistas, em Ilusões Perdidas, “a consciência é um desses paus que todo mundo pega para bater no vizinho e que nunca usa para si”.
O que advogada ganhou em troca? Notoriedade. A revista publicou, no corpo da reportagem, um box dedicado inteiramente à advogada — o que não era pouco em se tratando da publicação mais lida e influente do Brasil.
O furo jornalístico foi publicado em agosto de 1998, em meio a uma guerra entre a editora Abril e as Organizações Globo, que haviam lançado com estardalhaço, em maio daquele ano, uma revista semanal de informação, a Época, para concorrer com a Veja.
O lançamento de uma revista semanal pela família Marinho era o pesadelo de Roberto Civita, publisher da Veja. Ele pensava que os Marinho eram concorrentes grandes demais, mesmo para uma publicação gigante, com um circulação de quase 1 milhão e 200 mil exemplares a cada número.
A pressão sobre o diretor da Veja e os seus editores era fortíssima. Tínhamos de deixar a concorrente comendo poeira nas bancas todas as semanas — concorrente que tinha a maior emissora de televisão do país como espaço livre para todo tipo de propaganda.
Vínhamos cumprindo a nossa missão ferozmente, éramos uma equipe sensacional, e a confissão do Maníaco do Parque esmagou nas bancas, vendeu toda a edição, além de fidelizar ainda mais a nossa base de assinantes, de quase 1 milhão de pessoas, e fortalecer a revista junto aos anunciantes.
O “fui eu” de Francisco de Assis Leite era um fato retumbante que se agregava a sucessivas vitórias da Veja sobre a Época. A reação da concorrência veio no Jornal Nacional, que estava para as Organizações Globo, assim como a Veja estava para a Editora Abril: era o seu veículo mais importante e, consequência lógica, o mais rentável comercialmente.
O Jornal Nacional acusou , com todas as letras e sem nenhuma prova crível, a Veja de ter comprado financeiramente o acesso ao Maníaco do Parque. O objetivo era, assim, ferir de morte a credibilidade da revista. Comprar depoimentos e entrevistas é uma prática de tabloides, não de publicações que se pretendem sérias.
A guerra entre Globo e Abril agora era nuclear, e a Veja lançou um míssil contra o Jornal Nacional.
O diretor Tales Alvarenga me chamou à sala dele — eu era o editor executivo responsável pela área de cobertura de Artes e Espetáculos, o que incluía televisão — e disse: “Vamos fazer uma reportagem sobre a perda de audiência e a decadência editorial do Jornal Nacional. Será o abre de Brasil”. Isso significava que uma matéria sobre um assunto de televisão sairia do último caderno da revista para a abertura da Veja.
Não tínhamos de mentir, apenas de caprichar nas tintas. O gráfico que mostrava como a audiência do Jornal Nacional havia despencado ocupava duas páginas, e bizarrices do telejornal (qual veículo não as tem?) foram destacadas, inclusive a de um reportagem que mostrava um coala chupando picolé. Tales Alvarenga trancou-se na sala dele, com o copião que lhe havíamos entregado, e escreveu a matéria pessoalmente.
As Organizações Globo hastearam a bandeira branca. O prosseguimento do bombardeio pesado pela Veja poderia levar a que os anunciantes no horário do Jornal Nacional, o mais caro da TV brasileira, quisessem rever os preços que pagavam à empresa.
Meses depois, a paz seria selada entre o diretor de jornalismo da Rede Globo e o diretor de redação da Veja. A Veja derrotou a Época, sem antever que seria derrotada pela internet, e o Jornal Nacional está sendo derrotado pelas plataformas de streaming que exibem filmes como Maníaco do Parque.