O Distrito Federal registrou, de janeiro a julho deste ano, um aumento de acidentes causados por escorpiões em relação ao mesmo período do ano passado. Até o último dia 27, foram 1.660 ocorrências, 68 a mais do que o recorte janeiro-julho em 2023. Os dados atualizados foram repassados pela Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) a pedido do Metrópoles.
O número acende um alerta em especialistas e em toda a população pelo fato de agosto e setembro serem meses de reprodução da espécie. Além disso, os dados gerais dos últimos anos disponibilizados em boletins informativos da SES-DF mostram um aumento de 77% nos casos de 2019 a 2023.
Confira no gráfico:
O biólogo e engenheiro agrônomo Marcos Morris alerta que a população pode, sim, esperar uma nova alta de casos de acidentes por escorpião em 2024. “A explicação para isso seriam as mudanças climáticas recentes que estamos vivenciando. Estes artrópodes são mais frequentes em períodos mais quentes e chuvosos, uma vez que estas características favorecem o deslocamento destes animais”, diz o especialista.
Agosto e setembro são os meses de maior incidência reprodutiva de escorpiões por causa da alta temperatura nesse período. “As fêmeas saem mais em busca de lugares úmidos, o que aumenta a taxa de reprodução”, conta Marcos Morris. “Durante esse período, as fêmeas têm maior concentração de veneno”, alerta. Cabe ressaltar que, nessa quinta-feira (1º/8), Brasília completou 100 dias sem chuva, e a previsão é que a umidade siga baixa até pelo menos o fim de setembro.
“A reprodução destes artrópodes pode ser tanto sexuada quanto assexuada (partenogênese) a depender da espécie. Espécies como, por exemplo, o escorpião amarelo, podem gerar até 25 filhotes por gestação, sendo duas gestações, em geral por ano.”
Crianças, sobretudo recém-nascidos, são um grupo mais vulnerável à picada de escorpião. “A depender da espécie do escorpião e de alguns fatores como demora no socorro, idade e peso da criança, por exemplo, há casos em que o paciente pode morrer em 24 horas”, alerta Marcos Morris.
Menino Thomas
O pequeno Thomas Caitano Ribeiro, 4 anos, virou um emblemático caso no DF. O garoto foi picado cinco vezes na cabeça no dia 1º de janeiro de 2023, enquanto dormia em casa, em Arniqueira. Desde então, a vida dele mudou. Thomas ficou 100 dias na UTI, viveu diversas idas e vindas ao hospital e até hoje requer cuidados especiais.
Mãe de Thomas, a jornalista Adriana Caitano explica as sequelas com as quais o filho convive atualmente. “Ele ficou com paralisia cerebral, então não tem força muscular, não anda mais, não senta, não sustenta o pescoço, mas se movimenta. Não fala mais e nem processa o que enxerga, então não sabemos se ele enxerga de fato. Ele se alimenta por gastrostomia (sonda na barriga) e respira por traqueostomia com ventilação mecânica”, detalha Adriana.
Apesar da gravidade do acidente, o pequeno Thomas contrariou previsões médicas, mostrou enorme força e segue vivo, servindo de inspiração. “Pouca gente aguentaria o que ele aguentou: hemodiálise, Ecmo, intubação, mais de 20 cirurgias, transfusões de sangue, válvula cerebral para hidrocefalia e muitos remédios pesados”, relembra a mãe. O garoto hoje vive em home care, com técnicas de enfermagem fazendo acompanhamento 24 horas por dia.
“Ele entende o que a gente diz, dá um sorriso largo quando a gente brinca com ele, se espreguiça todo quando acorda e faz cara feia quando está bravo. Ele é nossa alegria diária, todos os dias agradeço por ele estar vivo”, comemora a mãe. “Nossa luta é para dar um mínimo de qualidade de vida para ele.”
Adriana encerra recomendando cuidados. “O escorpião é um bicho traiçoeiro e resistente, não é fácil combatê-lo. Não tem lugar isento, já vi casos no DF inteiro, então não dá para se culpar ou apontar a culpa para alguém. Mas algumas coisas podem ser feitas para evitar que nossa história se repita, como colocar telas nas janelas, tampar fossas, ficar de olho nos cantos da casa e tentar manter a limpeza do terreno”, aconselha.
Trabalho em conjunto
Ainda sobre os cuidados, o biólogo Marcos Morris considera necessária a união entre autoridades sanitárias e população. “Para sobreviver, esses animais precisam de alimento, água e abrigo, como qualquer outra espécie. Sabemos que os artrópodes preferem ambientes quentes e úmidos. Por isso, é fundamental evitarmos o acúmulo de lixo, entulho, materiais de construção e folhas secas”, destaca o profissional.
“Devemos ainda buscar sempre tapar os buracos nas paredes, fechar ralos e caixas de energia e esgoto e evitar, por exemplo, acúmulo de roupas sujas no chão.”
Por fim, Morris ressalta que, em caso de picada, é fundamental buscar ajuda médica o mais rápido possível. “Vale lembrar que não é indicado tentar pegar ou matar por conta própria o animal”, encerra o especialista.
O que diz a SES-DF?
Quanto ao combate aos escorpiões, a SES-DF menciona a nomeação de 139 agentes de vigilância ambiental em 2024 — a pasta não nomeava profissionais desta área há mais de 10 anos. Os servidores estão em fase de treinamento para inspecionar casas, escolas e unidades de saúde, bem como atuar em situações de acidentes, afirma a pasta.
Questionada sobre a alta nos últimos anos, especialmente em 2022, a Secretaria aponta que o aumento é nacional e que vários fatores podem contribuir para esse crescimento, como a capacidade reprodutiva do escorpião amarelo, mudanças climáticas, crescimento desordenado das cidades e saneamento básico precário.
A SES-DF menciona também a dificuldade do controle dos escorpiões apenas com pesticidas. Nesse sentido, o órgão informa que, “até o presente momento, não foi definida cientificamente a eficácia dos produtos químicos no controle escorpiônico em ambiente urbano”. Portanto, não é possível afirmar, de acordo com as autoridades, que os inseticidas à disposição em comércios sejam úteis contra escorpiões.
“Em áreas avaliadas como prioritárias, é importante lembrar que a aplicação de inseticidas para controle de insetos poderá aumentar a probabilidade de acidente por escorpião devido ao efeito irritante desses produtos que provoca desalojamento, eliminação de fonte de alimento e predadores”, encerra a pasta.
O que o cidadão deve fazer quando for picado?
Lavar o local da picada com água e sabão para remover sujeira;
Elevar o membro afetado para evitar que o veneno se espalhe mais rapidamente;
Procurar atendimento médico imediato e informar qual animal o picou para que o tratamento seja mais eficaz;
Se o ataque for por escorpião, aranha, lagarta e lacraia, os números para contato com a Vigilância Ambiental são o 160. Há também o e-mail gevapac.dival@gmail.com para agendamento da inspeção. Após o agendamento, uma equipe é enviada à residência que faz a coleta dos animais existentes, com busca em caixas de esgoto, entulhos e outros locais.