Uma vez que a política é como uma nuvem que muda de forma a cada momento, não cobre acertos em demasia a quem é obrigado a observá-la e a escrever a respeito. O “Repórter Esso”, o primeiro noticiário de radiojornalismo do Brasil, se dizia “testemunha ocular da história” entre os anos 1940 e final dos anos 1960.
Mas isso era força de expressão acima de tudo. “Testemunha ocular” é quem presencia diretamente um fato ou evento, podendo relatar em detalhes o que viu, ouviu ou percebeu. Raramente, e não só aqui, assistimos de fato o que acontece. Ouvimos muito sobre o que aconteceu depois do acontecido, e aí registramos.
Feita a ressalva… Em off, sempre em off, parte dos que se oferecem como porta-vozes informais do meio militar diz que por ali reina paz apesar da prisão de um general de quatro estrelas, da detenção de oito altos oficiais e do indiciamento de outros 25 por suspeita de terem tramado a derrubada do Estado Democrático de Direito.
Outra parte dos porta-vozes informais do meio militar, contudo, em off, sempre em off, diz que não é bem assim. Reina muito nervosismo entre militares da ativa e da caserna, e tanto mais porque espera-se, em breve, o indiciamento de novos oficiais de alta patente, inclusive generais, implicados no golpe que fracassou.
O atual comando do Exército e da Aeronáutica é legalista; o da Marinha, há poucas semanas, revelou-se menos ao postar em suas redes um vídeo que exaltava a vida dura dos militares em contraste com a aparente boa vida dos paisanos. Lula ficou furioso e cobrou explicações. Aguarda um pedido de desculpas do comandante.
Quem também aguarda é José Múcio Monteiro, ministro da Defesa, conhecido entre os colegas como “ministro-do-deixa disso”. Múcio foi pego de surpresa pelo vídeo. Desde que tomou posse, Lula já almoçou ou jantou com os comandantes quatro vezes – uma única, na casa de um deles, justamente o da Marinha.
Presidente da República não pede desculpas. Se não quiser ser substituído, então que o comandante da Marinha peça desculpas. Não é humilhação admitir que errou. Múcio já substituiu um comandante do Exército antes que Lula exigisse sua demissão. Lula sabe ser bonzinho quando quer, ou mau como um pica-pau.
Bolsonaro é useiro e vezeiro em abandonar quem lhe fez companhia e acabou mais tarde caindo em desgraça. Deu sinais de que continuará se comportando assim ao saber da prisão de Braga Netto, seu ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, e candidato a vice-presidente em sua chapa nas eleições de 2022.
Levou 12 horas para dizer algo. E quando disse, não foi para defender o general, mas para reclamar da Polícia Federal que o teria indiciado depois do encerramento do inquérito. Braga Netto notou a diferença. Se condenado, os crimes que lhe são atribuídos poderão render uma pena de prisão superior a 30 anos.
Um trecho da nota de defesa do general dá uma pista de como ele poderá reagir ao abandono anunciado por Bolsonaro. Eis o trecho:
– Durante o governo passado, [o general] foi um dos poucos, entre civis e militares, que manteve lealdade ao presidente Bolsonaro até o final do governo, em dezembro de 2022, e a mantém até os dias atuais, por crença nos mesmos valores e princípios inegociáveis.
Que valores e princípios inegociáveis são esses? A lealdade é um dos valores mais cultuados pelos militares. A obediência é outro valor. Soldado algum obedece à ordem de ir à guerra e arrisca-se a morrer se seu superior não for leal a ele, e vice-versa. Não se abandonam feridos e mortos em campos de batalha.
Como tudo isso acabará um dia? Não faço ideia. Torço para que acabe bem, com a punição dos culpados e o fortalecimento da democracia. Mas aprendi há muito tempo que não posso confundir o que desejo que aconteça com o que irá acontecer. Daí porque sigo observando a nuvem com meu olho já cansado.