550 indígenas, 5 formados: falta de inclusão social é desafio após consolidação do vestibular na Unicamp

Vestibular indígena da Unicamp foi criado em 2019, mas especialistas avaliam que faltam estratégias para garantir a permanência desse público na instituição Cinco anos após primeiro vestibular indígena da Unicamp, cinco alunos concluíram cursos
Um levantamento realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelou um dado alarmante sobre a inclusão e a permanência dos povos originários na instituição. Dos 550 estudantes que ingressaram por meio do vestibular indígena, apenas cinco concluíram os estudos.
No vestibular indígena unificado deste ano, feito em parceria entre a Unicamp e a Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) pouco mais de 3,3 mil candidatos se inscreveram para 130 vagas. Muitos tentam entrar, mas o histórico revela que poucos conseguem sair.
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Para especialistas, o cenário pode ser explicado pela falta de inclusão na prática. Sem ações que façam os estudantes indígenas se sentirem parte da instituição em meio as diferenças culturais, o desejo de continuar os estudos fica comprometido.
No Dia dos Povos Indígenas, celebrados nesta sexta-feira (19), a EPTV, afiliada da TV Globo, mostra o que está ligado ao baixo índice de permanência desse público no ensino superior e explica como a valorização sociocultural pode ser uma solução para o problema.
‘Me via como uma pessoa que não é daqui’
Jeovane Ferreira Lima, de 31 anos, é indígena e se formou em midialogia na Unicamp
Reprodução/EPTV
Entre os poucos que concluíram os estudos está o editor de vídeos Jeovane Ferreira Lima, de 31 anos. “Eu sou o primeiro da minha comunidade, da minha família, a se formar dentro de um ambiente diferente do que estou acostumado. É um prazer imenso e uma felicidade muito grande”, comenta.
O sonho só foi possível porque ele precisou enfrentar muitas barreiras. “Eu me via como uma pessoa que não é daqui. Eu me via como um estranho, uma pessoa estranha num lugar diferente. Isso me afastou dos meus colegas, sabe? Não conseguia me enturmar bem”.
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Jeovane cresceu no Povoado Indígena Tariana, na região de São Gabriel da Cachoeira (AM). Conta que saiu de lá em busca de uma oportunidade a mais de três mil quilômetros de distância. Em 2019, participou do primeiro vestibular indígena e entrou para o curso de midialogia.
“No começo foi um pouco difícil. Eu consegui me adaptar com as pessoas, o estudo, o curso em si que tinha que trabalhar com os equipamentos. Eu fiz amizade que eu estava pensando”. Ele acabou virando exemplo para outros indígenas que também têm o sonho de entrar no ensino superior.
“As coisas são difíceis, mas você consegue, pouco a pouco, se preparando mais. Para os meus parentes que têm o mesmo sonho, é só vir que a gente soma junto essa luta. a gente tá numa luta dentro da universidade, dentro da sociedade porque somos seres humanos inteligentes como qualquer um”.
Quase desistiu
Naldo Tukano se prepara para receber diploma de linguista pela Unicamp
Reprodução/EPTV
O Naldo Tukano, por pouco, não largou os estudos. Ele começou a fazer linguística na Unicamp em 2019. Com a pandemia voltou para a terra natal, um povoado no extremo norte do Amazonas, e teve que trancar o curso. “O acesso à internet na região era muito precário”, comenta.
“Em 2020 era um negócio que estava engatinhando para poder melhorar. Naquela época era difícil, mesmo com a plataforma meet, que a Unicamp adotou para as aulas, quando você tem o equipamento adequado, ela trava, cai. Então você não tem como participar das aulas porque o equipamento e a internet eram ruins”.
Apesar das barreiras, ele persistiu e agora se prepara para receber o tão sonhado diploma em linguística. “O sonho de ser linguista é preservar a língua indígena, a diversidade, para todo o povo brasileiro. A população brasileira no geral que desconhece muito sobre as línguas e povos indígenas”.
Valorização da diferença
Vista aérea do campus da Unicamp, em Campinas (SP)
Reprodução/EPTV
Os professores Fabiano Ormaneze e Graça Caldas do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp lançaram um livro sobre os povos originários e a crise dos Yanomami. Pesquisadores do tema, acreditam que o baixo número de indígenas formados reflete muitas dificuldades que precisam ser superadas.
“Nós só teremos uma inclusão, de fato, universitária, quando conseguirmos uma inclusão que é social. É o indígena, assim como todas as outras culturas e povos estiverem plenamente representados pelos seus direitos, pelos seus deveres em todas as áreas da sociedade”, diz Fabiano.
“O desafio é imenso. Primeiro porque são culturas diferentes, que estão num processo de aproximação. O vestibular da Unicamp e UFSCAR é pioneiro. Fizeram mudança muito importante pra quebrar o estigma. Mas essas diferenças culturais são visíveis no processo da construção do conhecimento da universidade”, completa Graça.
“Alunos indígenas e não indígenas, a dificuldade de relacionamento e aprendizado comum. Isso é um desafio a ser resolvido pelas universidades para que possa avançar o processo de inclusão de povos indígena”, reflete a professora.
Os pesquisadores lembram ainda que a pandemia afetou em cheio o rendimento dos estudantes indígenas, como ocorreu com Naldo. Muitos não se adaptaram e abandonaram os cursos. “Para os povos indígenas, foi um processo ainda mais complicado por causa das diferenças culturais e do acesso às tecnologias”.
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