José Dheymerson Carvalho caiu de um cavalo, em 2013, e teve o braço direito amputado pelo que a Justiça do Piauí considerou “erro por negligência médica”. Uma década depois, aos 22 anos, o rapaz aguarda a indenização do Estado para ajudar sua família e fazer a viagem que sempre quis ao Rio de Janeiro. Jovem que teve braço amputado por erro médico quer conhecer Cristo Redentor
O jovem José Dheymerson Carvalho aguarda indenização de quase R$ 500 mil 10 anos depois do acidente que mudou sua vida. Ele teve o braço direito amputado após cair de um cavalo em 2013, e hoje, aos 22 anos, ele aguarda o dinheiro para melhorar as condições da sua família e fazer a viagem que sempre quis ao Rio de Janeiro, pois sonha conhecer o Cristo Redentor e assistir a um jogo do Flamengo no Maracanã.
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Em fevereiro deste ano, a Justiça condenou o Estado do Piauí a pagar R$ 150 mil ao jovem, cujo braço foi amputado no Hospital Estadual Dirceu Arcoverde (Heda), em Parnaíba, a 338 km de Teresina. O juiz Caio Emanuel Severiano Santos e Sousa entendeu que um erro médico por negligência causou a amputação, que poderia ter sido evitada.
Segundo a defesa de Dheymerson, a indenização pode chegar a R$ 478 mil com correção monetária. Procurada, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) afirmou que o Piauí não vai recorrer da decisão, mas quer pagar uma quantia menor: R$ 312 mil. A dívida está na fase de execução e a Justiça deve determinar o valor a ser pago.
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Jovem que teve braço amputado por erro médico quer conhecer Cristo Redentor
Reprodução
Ao g1, José Dheymerson relembrou o dia em que sofreu o acidente, a semana em que foi e voltou do hospital mais de uma vez e os anos de difícil adaptação que se seguiram após a amputação. No entanto, também falou sobre como se enxerga atualmente e suas perspectivas para o futuro.
Queda do cavalo e amputação
Em Chaval, no Ceará, um dos passatempos favoritos de Dheymerson era andar no cavalo da família de um de seus amigos. O garoto, à época com 13 anos, estava aproveitando as férias de fim de ano para cavalgar. A brincadeira, porém, mudaria sua vida.
“Eu estava em cima do cavalo e meu amigo bateu nele. Ele ficou doido e correu em direção a um lago seco, onde tinha alguns tocos [de madeira]. O cavalo tropeçou, caiu por cima de mim e eu caí por cima do meu braço. Rasgou a pele e tinha muita areia, terra”, contou o jovem.
O amigo de Dheymerson procurou os pais do garoto, que o levaram para o hospital municipal de Chaval. De lá, foi encaminhado ao Heda, em Parnaíba, no Piauí. Ele foi submetido a uma cirurgia de correção do braço direito, em 18 de dezembro de 2013, no mesmo dia do acidente.
O membro fraturado da criança foi suturado e imobilizado em um gesso. Dois dias depois, em 20 de dezembro daquele ano, recebeu alta médica e prescrição de medicação domiciliar.
Braço da criança ficou escuro devido à infecção e foi amputado em hospital
Tacyane Machado
No dia seguinte, em 21 de dezembro, a mãe de Dheymerson retornou ao hospital porque o filho sentia fortes dores e estava com o braço escuro, a mão cheia de bolhas e as unhas pretas.
A criança foi novamente internada e, em 22 de dezembro, teve o braço amputado devido à necrose do membro. Ele recebeu uma nova alta após quatro dias de observação na unidade de saúde.
“Na primeira vez, eles só botaram o osso para dentro e depois colocaram esparadrapo e gesso. Já na segunda vez, trocaram o gesso e apertaram demais. Quando precisei voltar, deram um papel para a minha mãe, que não sabia ler, e ela assinou. Só me dei conta que tinham amputado quando acordei”, lembrou o rapaz.
Adaptação e dificuldades no dia-a-dia
Os primeiros problemas enfrentados por Dheymerson, além da revolta pelo braço amputado, foram o desequilíbrio corporal e as fortes tonturas provocadas pela ausência do membro. O uso de prótese, aliás, foi impossibilitado pela cirurgia. Mas as dificuldades não eram apenas físicas: ele também precisou lidar com a discriminação.
Como havia perdido o braço com que fazia praticamente tudo, inclusive escrever, ficou longe da escola por cerca de um ano. Voltou em 2015, na 6ª série do Ensino Fundamental. Durante esse período, teve de aprender a usar o braço esquerdo. Hoje, já está mais acostumado e não sente mais as dores do início da adolescência.
“Faltei um monte de aula, tive muita dificuldade porque escrevia com o braço direito… Como ia escrever com o esquerdo? Depois voltei, me adaptei e concluí o Ensino Médio no ano passado [em 2023]. Tive a ajuda de amigos próximos que me apoiaram independentemente do que acontecesse”, destacou.
José Dheymerson com mãe e avó; jovem teve braço amputado por erro médico
Arquivo pessoal
Em 2020, Dheymerson se mudou para Águas Lindas de Goiás, no entorno do Distrito Federal, onde mora desde então com uma prima. Ele deixou a mãe e os avós em Chaval, mas está prestes a retornar à cidade natal para cuidar de sua família.
A mãe do jovem faleceu em abril deste ano após sofrer três acidentes vasculares cerebrais (AVCs). O filho não pôde comparecer ao velório, mas acompanhou a despedida por meio de uma transmissão ao vivo feita nas redes sociais de um primo. Assim, a volta ao Ceará é motivada também pela preocupação com os avós.
Luta contínua e sonhos para o futuro
Após uma década de luta, Dheymerson e a família conseguiram que o Estado do Piauí fosse obrigado a pagar uma indenização de R$ 150 mil ao rapaz. Corrigida monetariamente, a soma pode chegar a R$ 478 mil, desconsiderando a pensão mensal vitalícia equivalente a 1/4 do salário mínimo (atualmente R$ 1,4 mil).
A defesa do jovem apontou – e a Justiça concordou –, com base em um laudo do Instituto Médico-Legal (IML), que a remoção do braço aconteceu por negligência médica, a qual poderia ter sido evitada se não houvesse a “alta hospitalar precoce” na primeira internação.
Para o médico legista responsável pelo resultado do laudo, a equipe do Heda “não evitou a complicação que resultou em necrose e na amputação” e “colocou em perigo a vida do paciente diante do risco de infecção generalizada e morte”.
Laudo do IML conclui que houve negligência médica com garoto amputado no PI
Reprodução
Conforme o advogado de Dheymerson, o Piauí não pretende recorrer da decisão, mas quer pagar uma quantia menor: R$ 312 mil. A dívida está na fase de execução e a Justiça deve determinar o valor a ser pago. Enquanto aguarda o dinheiro, o rapaz traça objetivos claros.
“Quando eu receber o valor, vou ajudar minha família. Comprar coisas que estão faltando para eles, alguns calçados para mim, uma casa própria em Águas Lindas… Também quero viajar ao Rio e conhecer o Cristo Redentor, assistir a um jogo do Flamengo no Maracanã. Já sou ‘de maior’, mas sinto que ainda sou um menino”, comenta.
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