‘O Brasil é negro, mas o envelhecimento é branco’, lamenta especialista

Painel sobre a diversidade na velhice abordou as consequências do racismo, o que é viver numa favela e ser trans no país Não há nada mais equivocado do que imaginar que a velhice abrange um grupo homogêneo. Entre os 60 e os 110 anos (a partir daí, são os supercentenários), há velhos de todo tipo: dos que continuam trabalhando aos que convivem com doenças incapacitantes, dos atléticos aos com problemas de mobilidade e declínio cognitivo. A diversidade dentro do envelhecimento também ganhou destaque no GeriatRio 2024 e é o tema da quarta e última coluna sobre o evento. Coube à geriatra Livia Coelho falar sobre o que é envelhecer numa favela:
Sarah Wagner York, educadora, pesquisadora, especialista em gênero e sexualidades e uma das principais vozes pelos direitos da população LGBTQIAP+
Divulgação
“O Rio de Janeiro tem 790 favelas cadastradas, onde vivem mais de 280 mil idosos. Com frequência, a única renda garantida da família é a aposentadoria do idoso. O cenário de fome, pobreza e abusos financeiros tem várias camadas de violências: física, psíquica, urbana e institucional”, afirmou.
Ela utilizou depoimentos de moradores da Favela do Vidigal para ilustrar a negligência institucional em relação a quem vive nessas áreas – são frases como: “a ambulância do SAMU não chega aqui”; ou “se um paciente morre, a gente coloca ele nas costas e desce até o asfalto”. A comunidade local se torna essencial para garantir o cuidado a quem está à margem do sistema, explicou.
Ana Paula Procópio da Silva, diretora da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, foi incisiva ao falar sobre o racismo, que produz iniquidade e vulnerabilidade na saúde das pessoas negras: “acima dos 64 anos, o percentual de pardos e pretos na sociedade decai absurdamente. Considerando os dados do IBGE, 55.6% dos brasileiros são negros, mas somente 48% da população idosa é negra. O Brasil é negro, mas o envelhecimento é branco”.
O ponto alto da apresentação coube à travesti Sarah Wagner York, educadora, pesquisadora, especialista em gênero e sexualidades e uma das principais vozes pelos direitos da população LGBTQIAP+. Sua trajetória é um retrato do preconceito e dos abusos cometidos contra as pessoas trans: antes de ser expulsa de casa, aos 12 anos, era regularmente queimada com a ponta do cigarro pela mãe, “para aprender a ser homem”, contou. Foi pai aos 16 anos e, durante anos, não pôde ver o filho. Em 2025, completará 50 anos, convivendo há 34 com o HIV. “Eu tenho uma história bonita, apesar de a travesti ser um sujeito historicamente escondido. O Brasil é o país que mais mata a população trans no mundo. Poderia fazer parte da estatística e, de certa forma, é como se essa violência também me matasse todos os dias. Mas estou aqui”, concluiu, sendo aplaudida de pé ao fim do seu depoimento.

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