Um dos principais opositores do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, voltou neste domingo (2/6) à prisão e prometeu combater a “ditadura” do líder nacionalista hindu, cujo partido reivindica vitória nas eleições que terminaram no sábado (1°/6). Os resultados da votação, que durou seis semanas e é maior da história, com 968 milhões de eleitores, são esperados na terça-feira (4/6).
O chefe de Governo de Nova Déli, Arvind Kejriwal, detido uma primeira vez em março por suposto envolvimento em uma investigação de corrupção, é o líder da coalizão de oposição que esperava substituir o primeiro-ministro no poder. A sua prisão, um mês antes do início das eleições gerais, foi descrita pelos seus aliados como uma “conspiração política” orquestrada pelo partido no poder, Bharatiya Janata (BJP).
O mais alto tribunal da Índia libertou-o sob fiança no mês passado e permitiu que ele fizesse campanha, desde que voltasse à detenção assim que a votação terminasse. “Há 21 dias que estou fora da campanha eleitoral (…) hoje irei para Tihar”, uma prisão em Nova Déli, anunciou Kejriwal nas redes sociais.
“Quando o poder se transforma em ditadura, a prisão torna-se uma obrigação”, disse, na sede do seu partido, Aam Aadmi, afirmando que continuaria a “lutar” atrás das grades. Ele foi preso logo depois, informou um porta-voz de seu partido à AFP.
Os resultados oficiais são esperados na terça, mas no bastião eleitoral de Modi, em Varanasi, a capital espiritual do hinduísmo, a vitória do premiê é considerada inevitável.
Obstáculos à campanha da oposição
A votação ocorreu sob um calor escaldante em grande parte do país. Pelo menos 33 funcionários eleitorais indianos morreram devido às altas temperaturas no último dia da eleição, só no estado de Uttar Pradesh (Norte), disse um dirigente eleitoral local, sugerindo um número de vítimas muito elevado a nível nacional.
Durante as eleições, a oposição denunciou diversos obstáculos à sua campanha e vários dos seus líderes, incluindo Arvind Kejriwal, estão sob investigação criminal. O governo de Kejriwal foi acusado de corrupção depois de ter implementado uma política de liberalização da venda de álcool em 2021, renunciando à lucrativa participação estatal no setor.
Essa política foi alterada no ano seguinte, mas a investigação que se seguiu sobre o licenciamento levou à prisão de dois aliados importantes de Kejriwal. Protestos em apoio a ele, que negou qualquer irregularidade e se recusou a deixar o cargo após a sua prisão, foram organizados em muitas das principais cidades indianas desde março.
Os eleitores de Narendra Modi e os defensores dos direitos humanos há muito tempo alertam sobre o declínio das liberdades na Índia. A Freedom House, um think tank dos Estados Unidos, observou este ano que o BJP “utiliza cada vez mais instituições governamentais para atingir adversários políticos”.
Rahul Gandhi, líder do Partido do Congresso e descendente de uma dinastia que dominou a política indiana durante décadas, foi considerado culpado de difamação no ano passado, na sequência de uma queixa apresentada por um aliado de Modi. Uma vez inelegível, foi reintegrado no Parlamento depois de o Supremo Tribunal ter suspendido a sua condenação.
Hemant Soren, antigo ministro-chefe do estado oriental de Jharkhand, também foi preso em fevereiro, em outra investigação de corrupção.
Arvind Kejriwal, Rahul Gandhi e Hemant Soren são todos membros da aliança da oposição INDIA, que reúne dezenas de partidos.
Eleitores de Modi à espera do terceiro mandato
Os eleitores do primeiro-ministro nacionalista, já convencidos da sua vitória, esperam do seu terceiro mandato a continuação da sua política pró-hinduista, mas também uma melhora no nível de vida no país. A cidade sagrada de Varanasi foi uma das últimas onde os indianos votaram, depois de uma maratona de votações de seis semanas.
Na capital espiritual do hinduísmo – também chamada de Benares –, os hindus vêm cremar os seus mortos às margens do Ganges. É também lá que o apoio é mais fortemente expresso à política de fortalecimento dos laços entre o hinduísmo e o poder, causando preocupação entre a minoria muçulmana de mais de 200 milhões de pessoas.
“Para nós, ele já foi reeleito”, diz Bharat Lal Yadav, um garçom de chá de 48 anos, enquanto as pesquisas de boca de urna antecipam a vitória de Modi. O premiê, por sua vez, afirmou estar confiante “de que o povo da Índia votou em peso a favor da reeleição do governo”.
“O que quer que Shiva [o deus hindu da criação e destruição] queira, Modi fará”, comentou Nand Lal, que vende flores aos devotos hindus em frente a um templo. “Ele resolverá tudo, incluindo o caso da mesquita Gyanvapi”, acrescentou.
Os hindus dizem que esta mesquita, que acolhe uma das maiores congregações muçulmanas de Varanasi, foi construída no século 17 num santuário dedicado a Shiva, durante o Império Mughal, que governou grande parte do país durante mais de três séculos.
Influência da ‘fé e religião’ no voto
Durante anos, os muçulmanos frequentaram a mesquita sob vigilância policial para evitar a escalada do conflito. Mas no final de janeiro de 2024, um tribunal local ordenou que o porão da mesquita fosse aberta aos fiéis hindus. O mais alto tribunal do país recusou-se a rever a decisão em recurso.
Pouco antes, na cidade vizinha de Ayodhya, Modi inaugurou um templo construído no terreno onde durante séculos existiu a mesquita Babri de Ayodhya, demolida em 1992 por fanáticos hindus. O episódio desencadeou alguns dos piores distúrbios inter-religiosos da história da Índia independente. Mais de 2.000 pessoas, a maioria muçulmanas, morreram em todo o país.
Pradeep Kumar Gupta, um empresário de 47 anos, disse que votou em Modi “por razões de fé e religião”. “Ele fez grandes coisas pela nossa cultura”, assegura, julgando que “esta votação centrou-se no Hindutva [projeto de hegemonia hindu] e o povo foi além das questões de emprego e inflação”.
“Ele pode resolver essas questões, ele consegue”, acrescenta Ramesh Gupta, um trader de 55 anos. “Nada é impossível para ele.”
Mas mesmo os seus mais fervorosos apoiadores dizem que Modi deve trabalhar para melhorar a economia do país, um dos que mais crescem no mundo, mas que sofre de desemprego crônico. Yadav, o servidor do chá, gostaria de ver a inflação sob controle: “Ele deve prestar atenção a isso para que até os pobres possam economizar alguma coisa”, observou.
Vendedor de objetos devotos hindus, Chandrashekhar Sharma, 45 anos, diz que “não tem dúvidas de que Modi voltará”. Mas “depois da vitória, terá de enfrentar o problema do desemprego”, acrescenta.
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