São Paulo — Acusado de ter utilizado candidaturas femininas laranjas para fraudar a cota de gênero exigida por lei nas eleições para a Câmara Municipal deste ano, o PP de São Paulo não enviou dinheiro para as campanhas de 7 das 13 candidatas mulheres do partido na disputa, de acordo com as declarações de contas prestadas à Justiça Eleitoral.
Em contrapartida, a campanha à reeleição da vereadora Janaina Lima, presidente do diretório municipal da legenda, recebeu R$ 1 milhão do fundo eleitoral, dois dias depois de assumir o cargo, no dia 3 de setembro.
O partido é alvo de uma ação movida pelo vereador Paulo Frange (MDB) na qual ele pede a cassação da chapa eleita de vereadores da sigla pelo suposto esquema de laranjas. A lei eleitoral exige que partidos assegurem o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo.
Ao todo, o PP elegeu quatro vereadores em outubro deste ano: Major Palumbo, Sargento Nantes, Janaina Paschoal e Murillo Lima.
Das sete candidatas sem nenhum dinheiro na eleição, cinco são apontadas como possíveis laranjas pela ação, devido à baixa votação e ausência ou baixa frequência de atividades de campanha, além das contas zeradas.
O PP registrou, ao todo, 13 mulheres candidatas e 25 homens na disputa por cadeiras na Câmara dos Vereadores. Com isso, a porcentagem de candidaturas femininas foi de 34%. Excluindo as cinco supostas laranjas, o percentual cairia para 24%.
Nessa quinta-feira (5/12), o juiz eleitoral Antônio Maria Zorz solicitou a inclusão de dirigentes partidários na petição feita por Frange.
“Considerando-se que os fatos apontados referentes à suposta fraude de cota de gênero dizem respeito não apenas aos candidatos que figuram no polo passivo desta ação, mas também aos responsáveis pela distribuição de recursos de campanha eleitoral e pelas escolhas das candidatura, verifico que há litisconsórcio passivo necessário entre os candidatos e os referidos responsáveis pela natureza da relação jurídica controvertida,”, afirmou o juiz da 1ª Zona Eleitoral de São Paulo.
Inicialmente, a ação citava apenas as cinco candidatas e os quatro vereadores eleitos do partido. Somados, os candidatos vencedores declararam R$ 4,1 milhões em receita de campanha. A presidente do partido no município, Janaina Lima, não foi reeleita.
Foram incluídos na ação, além de Janaina, o deputado federal Fausto Pinato, presidente da comissão provisória municipal do PP à época, e Victor Perina, presidente da convenção partidária e vice-presidente do diretório à época.
Em nota, o diretório municipal do PP afirmou que “é público e notório que todos os candidatos e candidatas do partido receberam material de campanha, realizaram suas campanhas eleitorais, prestaram contas regularmente e obtiveram votação satisfatória”.
A legenda ainda ressalta que entre os eleitos há uma mulher, a candidata Janaina Paschoal, que obteve “expressiva votação”. A ex-deputada estadual recebeu 48.893 votos.
O PP paulistano ainda classifica a ação como “uma tentativa desesperada de um candidato não eleito de, por via judicial, reconfigurar a composição da Câmara Municipal de São Paulo para a próxima legislatura”. Autor da ação, Paulo Frange (MDB) terminou o pleito como 2º suplente e só terá uma cadeira a partir de 2025 caso candidaturas eleitas sejam cassadas ou se algum parlamentar assumir outro cargo no Executivo.
A ação movida por Frange, correligionário do prefeito, gerou atritos na Casa, com a liderança do PP chegando a ameaçar deixar a base de Nunes.
Suspeita de laranjas
As cinco candidatas mulheres do PP apontadas como supostas laranjas alcançaram apenas 342 votos somados.
São elas: Alzira Força (55 votos), Dorinha Chaves (18), Eliene Ribeiro (59), Gilmara Vanzo (89) e Renata Del Bianco (121). O Metrópoles tentou contato com as candidatas e não obteve retorno. O espaço segue aberto a manifestações.
Além da falta de recursos e baixa contagem de votos, a ação aponta como evidências de fraude a ausência de publicações nas redes sociais e de outras atividades que demonstrem campanha efetiva por parte das candidatas.
“O contexto geral dessas candidaturas evidencia um padrão para fraudar a cota de gênero, instrumentalizando mulheres em candidaturas que carecem de suporte financeiro, campanha efetiva e qualquer intenção legítima de competição”, afirma a ação assinada pelos advogados Márlon Reis e Luciano Santos.
Segundo a legislação eleitoral, a fraude à cota de gênero se configura a partir dos seguintes elementos: votação zerada ou inexpressiva; prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e ausência de atos efetivos de campanha, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.
O PT-SP chegou a protocolar uma ação semelhante, que foi extinta pela juíza responsável por ilegitimidade da parte. A magistrada argumentou que caberia à federação a que pertence o partido ingressar com a ação, e não a legenda isoladamente.
Ausência de postagens e baixa votação
Das cinco candidatas, apenas Eliene Ribeiro prestou contas à Justiça Eleitoral ao declarar R$ 6,6 mil de despesa para duas contrações de pessoal. Ela, no entanto, não declarou nenhuma verba para a campanha.
“Essas despesas aparecem como dívidas de campanha, uma vez que não há registro de qualquer entrada de recursos para cobri-las. Essa situação é forte indicativo de irregularidade, pois é incompatível com candidatura que tivesse intenção real de participar do processo eleitoral de forma competitiva”, diz a ação.
Nas redes sociais de Eliene, o perfil do Facebook conta apenas uma publicação com uma foto de santinho com o número da candidata, junto com uma foto do prefeito Ricardo Nunes (MDB). Já no Instagram não há nenhuma publicação disponível. A candidata teve 59 votos.
A candidata Alzira Força teve a candidatura indeferida por ausência de quitação eleitoral referente à eleição de 2014. Seus 55 votos no pleito deste ano, portanto, foram anulados. Além disso, de acordo com a ação, em suas redes sociais há publicações limitadas a banners com foto e número de candidatura.
Em outras postagens, ela aparece ao lado de Nunes, mas sem menção ao número de campanha ou pedido explícito de votos. Os advogados também argumentam que “não existem registros de eventos públicos, participação em reuniões, caminhadas ou qualquer atividade de mobilização em prol de sua candidatura”.
Sobre Dorinha Chaves, que recebeu 18 votos, a ação afirma “não haver evidências de realização de eventos de campanha, participação em atividades públicas ou pedido de votos de forma ativa”, além de constar nenhuma conta de rede social vinculada à candidatura.
Outra candidata suspeita de ser laranja é Gilmara Vanzo, que obteve 89 votos nas urnas. Embora tenha realizado publicações relacionadas à candidatura, a ação movida por Paulo Frange argumenta que as situações que aparecem nas postagens “não apresentam ações que evidenciem esforço direto para a conquista de votos”.
A candidata ainda aparece participando de carreatas do então candidato Pablo Marçal (PRTB). “As imagens e registros destacam o apoio a outros candidatos, enquanto a própria candidatura de Gilmara permanece sem qualquer mobilização concreta”, afirmam os advogados. O registro da candidatura não apresenta recebimento de recursos do partido, doações ou contribuições próprias da candidata, além da ausência de despesas declaradas.
Por último, também é citada a candidata Renata Del Bianco, que recebeu 121 votos. Renata é atriz e se tornou conhecida na novela infantil Chiquititas. Ela tem 124 mil seguidores no perfil do Instagram. A ação aponta que nenhuma das publicações realizadas nas redes sociais, incluindo Facebook e TikTok, contém conteúdo de campanha eleitoral. Ela também tem a prestação de contas zerada.
“A baixa votação obtida, a ausência de atos de campanha nas redes sociais, o descompasso entre seu número de seguidores e os resultados nas urnas, e a prestação de contas zerada e intempestiva, configuram um conjunto claro de irregularidades”, afirma o documento.