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Trump vai taxar mais o Brasil? Ameaça tarifária é estratégia antiga para favorecer os EUA; entenda

Na última segunda-feira, o presidente eleito disse que o Brasil ‘cobra caro’ em produtos importados do país, e que será ‘recíproco’ a partir de 2025. No primeiro mandato, o americano fez declarações semelhantes. Trump: Brasil cobra caro, e nós vamos fazer o mesmo
A recente ameaça feita pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre taxar do Brasil “a mesma coisa” que o país cobra pelos produtos importados reverberou no setor produtivo nacional.
Em sua primeira coletiva de imprensa depois da vitória nas eleições de 2024, o presidente ensaiou seu primeiro passo em direção à agenda mais protecionista que prometeu adotar a partir de 2025.
“A Índia cobra muito [em tarifas aos importados], O Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa”, disse Trump.
O futuro presidente tem indicado que quer favorecer e dar prioridade à atividade doméstica dos EUA, limitando a concorrência estrangeira. Isso pode ser feito limitando ou reduzindo a importação de produtos, incentivando o desenvolvimento interno com subsídios, entre outras formas.
Essa, no entanto, não foi a primeira vez que Trump sinalizou uma retaliação às taxas cobradas pelos países que exportam produtos aos EUA.
Segundo especialistas consultados pelo g1, esse é uma estratégia antiga e conhecida do republicano para tentar vantagens em negociações bilaterais — e poderia afetar tanto companhias brasileiras quanto norte-americanas, caso se concretizasse.
Isso já aconteceu antes?
Apesar de a elevação de tarifas para produtos importados ser um dos pilares da agenda econômica de Trump para o seu novo mandato, em seu primeiro mandato o republicano ameaçava parceiros comerciais com frequência para tentar colocar outros países em desvantagem.
“A percepção, principalmente de analistas do México e do Canadá, é que o Trump é muito mais transacional. Isso significa que ele vai colocar várias ameaças para, a partir de então, tentar alguma negociação mais vantajosa com os países”, explicou Welber Barral, ex-secretário do comércio exterior e sócio-fundador da BMJ Consultores Associados.
Em 2018, por exemplo, Trump chegou a anunciar a criação de taxas para a importação de aço e alumínio, dois dos produtos que estão no rol de exportações brasileiras para os norte-americanos.
Pouco tempo depois, os países negociaram um esquema de cotas de importação, que permitiam a venda dos produtos com isenção ou redução de tarifa até um determinado limite.
O sistema acordado entre Brasil e EUA, chamado de “hard cota”, ou cota rígida, ainda estipula limite. Assim, é determinado um total de exportação que, quando atingido, impede que novas vendas dos produtos sejam feitas para os EUA.
Esse modelo, estabelecido em 2018, é o mesmo seguido pelos dois países até agora.
Donald Trump em coletiva na Flórida
REUTERS/Brian Snyder
Houve algum impacto para a indústria brasileira?
As medidas inicialmente trouxeram bastante preocupação para o setor siderúrgico brasileiro. À época o segmentou chegou a classificar a medida como “injustificada e ilegal”, afirmando que a sobretaxação teria potencial de provocar “dano significativo” às empresas.
A definição das cotas feita posteriormente, no entanto, acalmou os ânimos e alinhou melhor a relação comercial entre os dois países, já que usou a média exportada pelo Brasil aos EUA em anos anteriores para definir a limitação.
Apesar de ter voltado a ameaçar o Brasil, afirmando que cobraria do país as mesmas taxas impostas aos EUA na importação, o presidente eleito dos Estados Unidos não deu mais detalhes sobre a medida, nem sobre quando ela passaria a valer.
“Nós vamos tratar as pessoas de forma muito justa, mas a palavra ‘recíproco’ é importante.”, afirmou o republicano.
Para o professor de finanças e controle gerencial do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ) Rodrigo Leite, as falas refletem a mesma postura protecionista adotada por Trump contra a China.
“Desde o seu primeiro mandato, Trump tem feito uma guerra comercial bastante direcionada para a China. Agora, ele parece estar abrindo também essa guerra para outros países que também mostram um forte crescimento global”, diz Leite.
A postura mais protecionista e a sinalização de uma guerra comercial com o gigante asiático apareceram, inclusive, nas promessas de Trump para seu mandato.
Um dos pilares da agenda econômica do republicano, que é o aumento de tarifas para produtos importados, por exemplo, já tinha uma ressalva para a China: enquanto a proposta de Trump era de impor uma alíquota de 10% a 20% sobre as importações norte-americanas, para os chineses especificamente essa tarifa seria de 60%.
Além disso, segundo Leite, parte do que também pode explicar o novo direcionamento de Trump contra a Índia e o Brasil é a participação dos dois países nos BRICS. No final do mês passado, por exemplo, o republicano já tinha ameaçado o grupo com tarifas de 100% caso criassem uma nova moeda ou apoiassem outra moeda que substituísse o dólar.
Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu, em reunião de cúpula dos países do Brics em Kazan, na Rússia, que o bloco de países emergentes avance na criação de meios de pagamento alternativos entre si, fugindo da necessidade de uso do dólar.
O desenvolvimento de um mecanismo de compensação de pagamentos em moedas locais é uma das prioridades do Brasil no Brics, que quer ver o bloco menos dependente do uso do dólar nas suas transações internas.
“Isso também pode ser uma tentativa de tirar o Brasil e a Índia de uma posição mais antagônica aos Estados Unidos, usando uma abordagem de ‘se você vai continuar com a política global de antagonismo a nós, também seremos antagonistas a você’”, completa Leite.
Trump confirma intenção de promover deportação em massa
Essa postura de Trump pode ter algum efeito no Brasil?
As falas de Trump ainda não confirmam que tarifas maiores serão aplicadas ao Brasil, apontam os especialistas consultados pelo g1. Mesmo que as medidas não precisem de aprovação do Congresso norte-americano, elas ainda precisariam passar por uma análise mais aprofundada do Departamento do Comércio do país.
De acordo com Barral, parte da análise precisará levar em consideração que apesar de o Brasil se beneficiar na exportação de uma série de itens para os Estados Unidos, uma elevação de tarifas teria potencial de prejudicar toda a cadeia produtiva — incluindo indústrias e subsidiárias norte-americanas.
“No final, o Trump tem uma visão simplória do comércio exterior. Porque nem as tarifas são uniformes, nem os efeitos são os mesmos e muitas vezes uma elevação de tarifas prejudicaria não só empresas brasileiras, como também empresas americanas”, diz.
Por fim, os especialistas também reforçam os possíveis reflexos desse cenário para os consumidores brasileiros. “Para as empresas, uma taxação vai afetar principalmente as empresas que exportam para os Estados Unidos. Mas, com o dólar fortalecido, ele reduziria o volume de exportação, mas recebe um dólar mais valorizado”, explica Leite.
Já para o consumidor, a leitura é que o principal impacto viria do dólar ainda mais valorizado. “Para a população, o efeito maior vem do câmbio. Tem vários produtos importados pelo Brasil que são cotados em dólar no mercado internacional e que são afetados caso a moeda norte-americana se valorize”, diz o professor da UFRJ.
Além disso, outro impacto de um dólar mais alto diz respeito ao volume de produção que é destinado para o consumidor brasileiro. Isso porque quando a moeda norte-americana fica mais valorizada, é mais interessante para o produtor exportar seus produtos do que abastecer o mercado interno. Assim, os preços aumentam via política de oferta e demanda.
“O que temos que ficar de olho no Brasil é que enquanto temos um dólar com tendência de valorização pela conjuntura dos Estados Unidos, com a eleição de Trump e um maior protecionismo, ainda temos um real se desvalorizando pela questão fiscal”, afirma Leite.
“É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, e o que o mercado também quer ver é o quanto as eleições de 2026 vão influenciar a capacidade do governo de encontrar uma solução para as questões tarifárias. É um jogo difícil de ser jogado”, completa o professor.

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