Em 2024, as três promotorias de Justiça Militar do Ministéro Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) requisitaram a abertura de 236 inquéritos por casos envolvendo crimes policiais. Dessas, cinco resultaram em ações penais. Em entrevista ao Metrópoles, o promotor titular da 3ª Promotoria de Justiça Militar, Flávio Milhomem (foto em destaque), explica que as outras seguem em investigação, seja pelo MP ou pela Corregedoria da Polícia Militar do DF (PMDF).
Um exemplo de caso que segue em apuração é o do PM que deu um tapa na cara de um motociclista, ao final de uma abordagem na Estrutural em 24 de novembro. “Não foi necessário que alguém comparecesse ao Ministério Público para fazer uma notícia de fato formal, requerendo providências. A partir do contato com essa matéria, já requisitei a instauração do Inquérito Policial Militar, que foi atendida”, diz.
Outro caso que segue sendo averiguado é o da mulher trans que expôs PMs fardados em viatura após uma “festinha” em motel.
Segundo o promotor, quando o MP pede uma investigação, não existe a possibilidade das corregedorias se negarem a dar andamento no processo. “Essa requisição na realidade não é um pedido, é uma determinação. O encarregado, o corregedor da PMDF, não tem a liberdade de não atender essa requisição. Além disso, o ministério pode, diante de eventual omissão da autoridade policial, realizar a investigação por conta própria. São chamados os procedimentos de investigação criminal e nós temos alguns instaurados— onde o MP entende que há uma necessidade de atuação com protagonismo também na investigação”, explica.
Há 10 anos a frente da promotoria, Milhomem explica o caminho que os casos percorrem dentro do MP. “Uma vez encerrada, essa investigação é encaminhada para o MP que forma a sua opinião, ajuizando a ação penal ou promovendo o arquivamento desse inquérito policial militar.”
“Os casos de arquivamento são aqueles onde da investigação não decorre nem a prova da existência de crime, nem a prova da autoria. E que não existe nada que se possa fazer para que se chegue à comprovação, seja de um, seja de outro. E isso nos leva também à questão da atribuição da Justiça Militar. Ela atua apurando a responsabilidade penal dos policiais em casos dos mais diversos, como lesão corporal contra um cidadão, como nesse caso da Estrutural, crimes próprios militares como abandono de posto ou desacato à superior, tortura, abuso de autoridade. Tudo isso é atribuição do Ministério Público do DF e competência da Justiça Militar”.
Em contrapartida, casos que envolvem morte de terceiros são levados ao Tribunal do Júri. “Vou citar um exemplo. O caso do carteiro, funcionário dos Correios, no início do Lago Norte, atingido por um disparo de fuzil. Esse disparo foi realizado por um integrante do 28.º batalhão da PMDF. Isso caracteriza crime doloso contra a vida civil praticado por policial militar. Nesse caso, a competência é do Tribunal do Júri. E cabe ao tribunal analisar se esse policial agiu dentro do estrito cumprimento do dever legal ou acobertado pela legitima defesa. Não cabe a Promotoria Militar analisar hipóteses como estas, porque seria violação de competência”.
Milhomem comenta que a relação da promotoria com a PMDF é estritamente institucional, “como deve ser”. “O Ministério Público é, antes de mais nada, um órgão de controle. E, como todo órgão de controle, deve manter a institucionalidade, o respeito, a educação e cobrar. É uma demanda da sociedade de que haja um órgão externo independente que possa realizar a apuração de desvios de conduta realizados por quem quer que seja na Polícia Militar, desde o praça, desde um soldado até a comandante geral da Polícia Militar do Distrito Federal”, diz.
Em relação às recomendações eventualmente feitas à corporação, Flávio afirma que, apesar do nome, as requisições não são tratadas como “dicas” e, sim, como advertências.
“Bbasicamente:, é o seguinte: o caminho adequado é esse”. Se não adotar, vai ter a consequência. E a consequência pode ser uma ação penal ou uma ação por ato de improbidade administrativa”.
O promotor classifica as forças de segurança do DF como qualificadas e profissionais, mas ressalta que isso não garante que casos de violência policial não ocorram na capital federal.
“O DF é uma unidade federativa privilegiada. Tanto em termos de recursos, já que os recursos da segurança pública têm origem constitucional, como também levando-se em consideração o critério geográfico porque nossa UF é muito pequena. Isso possibilita uma maior eficiência na realização do controle externo da autoridade policial que está a cargo do MP. Nosso efetivo é muito qualificado. O que não isenta de eventualmente nós nos depararmos com situações desviantes, mas isso acontece em toda e qualquer unidade federativa. Tá aí o por que da importância de uma corregedoria forte e de um controle externo da atividade policial realizado pelo MP também forte”.
Durante a entrevista, Flávio revelou que prôpos ao procurador-geral de Justiça do DF, Georges Seigneur, que se crie um núcleo de investigação do ministério na seara militar. “As promotorias teriam uma equipe formada, de tecnicos, do MPDFT, para a realização de investigações, como por exemplo, quebra de sigilo bancário, telefônico, análise de vínculos, que possa auxiliar o MP no combate direto à criminalidade no âmbito da PMDF e também na análise de infiltração do crime organizado nas corporações”.
O projeto foi encaminhado este ano e, segundo Milhomem, está sendo analisado pelo procurador.
Além disso, o promotor também defendeu o início do uso de bodycams pelos policiais da capital federal. Ele, que foi responsável pela recomendação do uso do dispositivo, acredita que a polícia militar tem capacidade de servir de modelo para o uso do equipamento.
“A PMDF iniciou o procedimento de testes, e eu acompanhei o teste de alguns protótipos. Porém, o Tribunal de Contas (TCDF) bloqueou a compra por não atender a determinados requisitos técnicos, mas, nesse caso, são questão da administração da PMDF”.
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