Este artigo está sendo escrito sob condições ridículas em São Paulo, a maior e mais rica cidade brasileira. Sem energia elétrica desde sexta-feira, batuco a minha indignação em um laptop com pouca bateria, sem wifi, esperando que, por meio do bluetooth que nem sempre funciona, ele se conecte com o celular carregado ontem na doceira da esquina para que eu possa transmitir estas linhas para o sistema do Metrópoles.
Como chegamos a tal ponto? A Enel, concessionária encarregada de distribuir eletricidade aos paulistanos e também a outros brasileiros infelizes, é uma porcaria: os seus serviços de prevenção de problemas, de manutenção da rede, de atendimento emergencial e de comunicação com os clientes desrespeitam o contrato assinado com o governo federal e profanam os direitos dos cidadãos.
A desculpa de que o temporal e a ventania são os maiores responsáveis só aumenta a irritação. O “evento climático extremo” está longe de ser o primeiro e o último a ocorrer em São Paulo, e o último furacão na Flórida, o Milton, deixou menos domicílios sem luz lá do que aqui, o que dá a medida de como a nossa situação é grotesca.
O temporal e a ventania de sexta-feira na capital paulista sublinham de maneira brutal o que vem ocorrendo quando chove normalmente na cidade: árvores podres tombam sobre os fios, transformadores explodem, a eletricidade fica instável, há pequenos apagões — e você que arque com o custo dos eletrodomésticos e aparelhos estragados por causa das oscilações na corrente, que já fizeram com que eu perdesse uma geladeira e tivesse que gastar os tubos para consertar um computador.
A fiação aérea é uma questão incontornável que antecede a Enel, e a empresa não é responsável pela sua existência. Uma lei municipal prevê o enterramento de fios da parte das concessionárias, mas a Justiça decidiu que a Enel não está obrigada a fazê-lo, visto que se trata de concessão federal. Fios elétricos enterrados são essenciais para evitar que se fique à mercê das condições meteorológicas e da queda de árvores.
Conversei com quase todos os prefeitos de São Paulo nos últimos vinte anos e cobrei, como cidadão, que os fios fossem enterrados. Ouvi a mesma resposta de cada um deles: é muito caro e complicado. Ao que sempre retruquei: e para que serve um administrador se não é para encontrar soluções viáveis para problemas caros e complicados que precisam ser resolvidos DE QUALQUER FORMA?
A Enel é a ponta mais enervante no momento do problema da falta de governo nos diferentes níveis: municipal, estadual e federal (sei que estou sendo repetitivo, mas não é culpa minha se o Brasil é redundante). Nas mãos do estado, os serviços são escassos ou inexistentes, e por isso é asneira dizer que privatizações ou concessões são a causa das nossas mazelas. Veja-se o caso do saneamento público, uma vergonha estatal fedorenta e doentia. Quando o estado concede os serviços à iniciativa privada, mas não há vigilância sobre o seu cumprimento, empresas inescrupulosas maximizam os seus lucros despudoradamente, deixando de investir o que estava previsto em documento.
As agências encarregadas de fiscalizar as concessionárias dos serviços públicos permitem que a bandalha corra solta e só se manifestam quando os desastres ocorrem e todo mundo se pergunta para que elas existem. A Aneel vem fazendo vista grossa com a Enel desde há um ano, pelo menos, quando bairros inteiros de São Paulo ficaram sem energia elétrica durante uma semana. Uma semana! E, agora, o absurdo volta a ocorrer, sem que haja previsão confiável de quando acabará.
Cancelar a concessão da Enel é imprescindível, o que não é garantia de que ocorrerá, mas a medida de força não resolverá o nosso maior tormento: falta de governo no que é preciso ter governo. Foi assim que chegamos a tal ponto: os piores estão no comando. O apagão é o de um país ridiculamente desgovernado.
PS: tive de recorrer ao wifi do clube para transmitir este artigo.
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