Por que trap ganhou espaço em festivais, mas segue injustiçado nos rankings anuais do streaming?

Estilo tem altos e baixos nas listas de fim de ano das plataformas, mas ganhou destaque nos line-ups de eventos em 2023. Para trappers, chegada aos rankings é questão de tempo. Da esquerda à direita: Kayblack, Wiu e Veigh
Divulgação
No Brasil, quem manda nos rankings das rádios e do streaming é o sertanejo, seguido por outros estilos como pop, funk, forró e piseiro. Mas o que dizer do trap, hoje o subgênero mais ouvido do rap?
Embora com presença cada vez mais forte nas playlists de jovens brasileiros e nos line-ups de festivais, o estilo tem altos e baixos nas listas de fim de ano das principais plataformas:
Em 2021, a presença do trap começou a aparecer timidamente. No top 10 anual do Youtube, o Mc Poze do Rodo conquistou o 8° lugar com “Vida Louca” e o 10° com “A cara do Crime”;
Em 2022, o trap não apareceu na lista de vídeos mais vistos do Youtube, mas teve destaque dentre as músicas mais ouvidas no Spotify, com o 2° lugar de “Malvadão 3”, de Xamã;
Em 2023, o destaque nos rankings foi Veigh, com dois álbuns no top 5 anual dos mais ouvidos no Spotify.
Mesmo sem aparecer nas listas de fim de ano do streaming, o trap teve bons momentos em 2023. “Conexões de Máfia”, gravada por Matuê com o americano Rich The Kid, alcançou a primeira posição no Spotify brasileiro, chegou a 3 milhões de plays em 18 horas e conquistou até uma vaga no top 40 global.
KayBlack emplacou sete músicas de seu EP “Contradições” nas paradas nacionais no Spotify. No Brasil, “melhor só” chegou ao 2° lugar em março.
Trap ganha espaço em festivais
Em festivais, o gênero tem mais destaque do que no streaming. É nítido o aumento da presença do trap em eventos de grande porte, fora do nicho desse estilo.
Na primeira edição do The Town, festival paulistano dos criadores do Rock in Rio, o palco Factory foi quase todo dedicado ao gênero, com trappers como Veigh, KayBlack, Wiu,Teto e Yunk Vino. O line-up teve ainda Orochi e Matuê no palco The One.
O rapper cearense, um dos precursores do estilo no Brasil, ainda foi atração principal de outro festival: o Planeta Atlântida.
Para produtor, trap quer falar de outros temas
Ecologyk, produtor de trap
Divulgação/Facebook do artista
Ecologyk começou a produzir em 2009, quando tinha 15 anos e ainda era mais conhecido pelo nome real, Paulo Cabral. Já trabalhou fora da bolha com artistas de outros gêneros, como Lucas Silveira, do Fresno. A lista de trappers que já passou pelos estúdios do produtor paulistano é longa: Vulgo FK, Sidoka, Veigh, Wiu e Derek estão entre os principais nomes.
Em entrevista ao g1, Ecologyk comentou a nova fase do trap. “Ficou mais acessível para qualquer pessoa que tenha um computador ou celular consegue produzir sua música. Pessoas que nunca imaginavam que iam ser produtor musical ou MC, hoje tem o acesso. Eu ganhei um disco de platina com músicas que foram gravadas em um microfone de cem reais”.
Matuê se apresenta no Lollapalooza 2022
Marcelo Brandt/g1
Como acontece em outros estilos, TikTok e Instagram são aliados do trap. Essas redes sociais, é claro, ajudam a espalhar os hits do gênero. “O público jovem está dentro dessas plataformas, consumindo o tempo inteiro. Então, tendo conteúdos relacionados a música nesse estilo, a galera vai se identificar mais e vai consumir mais.”
O produtor explica que o público do estilo cresceu muito “organicamente”. Antes, era tudo muito “nichado”. “Eram músicas mais de mensagem [um rap mais consciente, como é o caso dos Racionais MCs]. O trap teve abertura para abordar outros assuntos, músicas para festa. O público cresceu e o cenário foi obrigado a se profissionalizar.”
O que pensam os trappers?
Ao g1, Veigh disse que o movimento está em uma crescente. Para ele, os artistas independentes estão se organizando cada vez e criando suas próprias gravadoras e eventos.
É questão de tempo: uma hora, o trap vai aparecer nos rankings anuais de músicas e artistas mais ouvidos.
Artistas começaram a criar suas próprias gravadoras para fugir das amarras dos contratos de grandes gravadoras. Esse é o contexto do surgimento de selos como:
Trap The Fato, de Derek (ex-Recayd Mob)
30praum, do Matuê
Supernova, do Veigh
Mainstreet, do Orochi
De onde vem o trap?
Lil Wayne no iHeart Radio Music Fest, em Las Vegas, em 2012
Eric Reed/Invision/AP
Nascido nas ruas da cidade americana de Atlanta, esse subgênero do rap teve seu nome retirado da expressão “trap houses”, gíria usada para definir os lugares onde se vende drogas nos Estados Unidos. O estilo foi pensado como uma forma de expressão de quem fazia parte dessa realidade. A inspiração mais óbvia é o gangsta rap, forte no começo dos anos 90 e com temáticas de letras parecidas.
Grupos como Three 6 Mafia e a dupla UGK foram alguns dos primeiros a fazerem trap, com versos sobre ostentação, dinheiro, mulheres e a vida nas ruas.
A base musical do trap, por sua vez, vem de uma bateria eletrônica chamada Roland TR-808. Ela produz um som sintetizado, com BPMs (batidas por minuto) mais rápidos do que o Boombap, estilo mais clássico e lento de se fazer rap.
Nos anos 2000, o trap ganhou mais projeção no mercado americano com grandes nomes como Gucci Mane, Rick Ross, Chief Keef e Lil Wayne. Eles pegaram a base criada nos anos 90 e foram adicionando elementos para criar a estética que conhecemos hoje.
São esses ingredientes que seguem fazendo o trap ser trap: do uso exagerado de autotune, ferramenta criada para corrigir erros vocais, aos ad-libs. Palavras chaves podem servir para preencher lacunas nos versos e manter o flow. Também fazem referências a elementos que citados nas letras: tem som de carro (“Skrr”) e de arma descarregando (“Grrr”), por exemplo.
O trap no Brasil tem ido em busca de sua própria identidade, sem medo de misturar o estilo com reggae, pagode, funk e o que mais aparecer nos fones dos trappers.

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