Principal indicador do desempenho das ações negociadas na Bolsa de Valores brasileira, o Ibovespa bateu seus recordes nominais durante a semana, renovando as máximas de pontuação tanto durante o pregão quanto no fechamento – reflexo da euforia dos investidores, que já começam a projetar mais ganhos em 2024.
Na manhã de quinta-feira (14/12), o Ibovespa bateu o recorde nominal intradiário – ou seja, registrado durante um pregão –, chegando aos 131.259 pontos. No mesmo dia, ao final da sessão, o indicador fechou em 130.842 pontos, uma alta de mais 1%, superando a marca histórica alcançada em 7 de junho de 2021 (130.776).
Os fortes ganhos da Bolsa do Brasil já haviam sido esboçados na véspera, a chamada “superquarta” – termo usado no mercado financeiro para o dia em que coincidem as divulgações das taxas básicas de juros no Brasil e nos Estados Unidos. Na quarta-feira (13/12), o Ibovespa disparou no encerramento do pregão, fechando em alta de 2,42%, aos 129.465, indicando o que estaria por vir.
Juros nos EUA e outros fatores
A principal explicação para a euforia do mercado está justamente na última “superquarta” de 2023. Nesse dia, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) reduziu a taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual, para 11,75% ao ano. Foi o quarto corte consecutivo dessa magnitude desde agosto.
No comunicado que acompanhou a decisão, o Copom indicou que o ritmo de redução da Selic será mantido nas próximas reuniões. Economistas ouvidos pelo Metrópoles projetam pelo menos mais dois cortes de 50 pontos-base nas reuniões de janeiro e março de 2024.
Nos EUA, o Federal Reserve (Fed, Banco Central americano), manteve inalterada a taxa de juros pela terceira reunião consecutiva, no patamar entre 5,25% e 5,5% ao ano. O Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), por sua vez, indicou três possíveis reduções de 0,25 ponto percentual ao longo de 2024, o que significa uma queda de 0,75 ponto percentual dos juros americanos no ano que vem.
A pausa do Fed no aperto monetário é uma boa notícia para o Brasil. Um dos principais efeitos da alta na taxa de juros nos EUA se dá sobre os ativos brasileiros, que se tornam menos atraentes para os investidores. Na prática, a elevação dos juros nos EUA incentiva a aplicação em papéis no Tesouro americano, que são considerados mais seguros. A aplicação em países de economia emergente, como o Brasil, é apontada como de maior risco por causa da instabilidade desses mercados. Com menos capital disponível, a chance de que as ações de empresas listadas na Bolsa brasileira sejam negociadas fica ainda menor.
Em linhas gerais, quando os juros sobem, os títulos emitidos pelo Tesouro dos EUA – que normalmente já seriam mais atraentes para os investidores – se tornam ainda mais vantajosos, o que gera um fluxo de investimento maior em sua direção.
“Nos últimos 18 meses, vimos uma apreciação da taxa de juros, um aumento muito forte que penalizava o fluxo de caixa. Agora, o que explica esse recorde da Bolsa é a sinalização de corte de juros que está ocorrendo no Brasil. Naturalmente, o reflexo é um fluxo de caixa cada vez maior e crescente. Além disso, o Fed também sinalizou que pode cortar taxas talvez já no primeiro semestre do ano que vem”, observa Hugo Queiroz, especialista em investimentos e diretor de Corporate Advisory da L4 Capital.
Para Bruna Sene, analista da Nova Futura Investimentos, o recorde histórico do Ibovespa é resultado de uma combinação de fatores. “Em novembro, houve uma entrada expressiva de capital estrangeiro na Bolsa, acompanhada por um aumento notável no apetite por risco. A valorização das ações foi impulsionada pela diminuição das taxas de juros, tanto no Brasil quanto no exterior”, afirma. “Além disso, a perspectiva de término do ciclo de alta de juros nos EUA, com dados de inflação mais amenos, contribuiu para o desempenho positivo das Bolsas globais, incluindo o Ibovespa.”
Segundo os analistas consultados pela reportagem do Metrópoles, o mercado de ações no Brasil colhe os frutos de um ano que termina bem na economia, em decorrência de uma série de medidas adotadas desde a segunda metade da década passada – e que agora, alguns anos depois, começam a surtir efeito.
“Nós tivemos um ano bom em termos econômicos, o que é reflexo do que tem sido feito no ambiente econômico do país desde 2016. O investimento em Bolsa é sempre de médio e longo prazo. Estamos começando a colher os efeitos de médio prazo a partir de 2016, com as reformas trabalhista (2017) e previdenciária (2019), por exemplo”, diz Queiroz.
Segundo Bruna Sene, este ano “foi marcado por volatilidade nos mercados, mas ofereceu oportunidades tanto na renda fixa quanto nas ações”. “O setor de consumo e a Vale, por exemplo, experimentaram diversas mudanças de tendência ao longo do ano, enquanto a Petrobras se mostrou um ativo mais estável e em tendência de alta forte”, afirma. “Contudo, o balanço geral é positivo, com recorde histórico sendo atingido na reta final do ano, bonificando aqueles investidores mais resilientes que mantiveram parte do seu capital na Bolsa, apesar da volatilidade vista ao longo dos meses.”
Até onde o Ibovespa pode chegar?
De acordo com um levantamento de Einar Rivero, consultor de dados de mercado de capitais, a rentabilidade acumulada pelo Ibovespa em 2023 é de 19,2%, o que representa o melhor desempenho do índice desde 2019 (31,58%). Nos anos seguintes, o principal índice da Bolsa brasileira teve valorização de 2,91% em 2020, queda de 11,93% em 2021 e alta de 4,69% em 2022. Desde o início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, a valorização acumulada do Ibovespa ultrapassa 105%.
No último pregão desta semana, na sexta-feira (15/12), o índice fechou em queda de 0,49%, ainda no patamar dos 130 mil pontos (130.197), em uma sessão de ajustes e maior cautela, após declarações do presidente do Fed de Nova York, John Williams, que esfriou o ânimo do mercado ao dizer que a autoridade monetária americana não pensa em queda de juros por enquanto. Mesmo assim, o Ibovespa terminou a semana com ganhos de 2,44%. No mês, a alta é de 2,25% e, no ano, de 18,65%.
“Para os investidores internacionais, que observam o Ibovespa em dólares, a maior pontuação foi registrada em 19 de maio de 2008, com 44.616 pontos. Atualmente, os 26.725 pontos em dólares representam 40,1% do seu maior valor histórico”, observa Einar Rivero. “Podemos concluir que o Ibovespa ainda tem um considerável espaço de crescimento quando analisado em valores ajustados pelo IPCA e em dólares”, conclui o consultor.
De fato, se considerada a inflação, o Ibovespa ainda está bem longe de seu pico potencial, que seria de 177.098 pontos, quando corrigido pelo IPCA. Fazendo a correção pelo Índice Geral de Preços – 10 (IGP-10), medido pela Fundação Getulio Vargas, o índice bateria os 212.305 pontos. Os dados são da Economatica.
Riscos
Em meio a tamanho otimismo dos investidores, especialistas ouvidos pela reportagem alertam para alguns riscos que podem afetar o desempenho da Bolsa do Brasil no próximo ano. “É importante acompanhar notícias do lado fiscal doméstico. Surpresas negativas nesse campo podem impactar a Bolsa”, afirma Bruna Sene, da Nova Futura.
“Possíveis correções no setor de petróleo, especialmente no segmento de exploração e refino, são um ponto de cautela, devido à volatilidade recente da commodity. Por fim, é importante continuar monitorando dados de atividade econômica e inflação, tanto no Brasil quanto nos EUA, e notícias relacionadas ao setor imobiliário chinês e à atividade econômica do país asiático, visto que temos muitas empresas que exportam para lá, como a Vale, ação de maior peso no Ibovespa”, explica a analista.
Hugo Queiroz, da L4 Capital, diz que os maiores riscos são “possíveis retrocessos na pauta econômica” do país. “Cancelar reformas já aprovadas, mandar ao Congresso projetos que retirem avanços econômicos já conquistados… tudo isso ameaça a Bolsa. O Brasil está focado hoje em investimentos privados. Para mim, o grande risco é recuar nessa agenda, trazer de volta as estatais ao jogo e aumentar o gasto público”, diz.
“Nos últimos anos, o Brasil está experimentando o início de um crescimento estrutural. Estamos começando a colher os frutos disso, inclusive na Bolsa. Se esses retrocessos acontecerem, nós voltaríamos ao crescimento conjuntural, muito mais artificial, o chamado ‘voo de galinha’.”