A obra “O Menino Marrom”, de Ziraldo, que é distribuída em kits para alunos do Ensino Fundamental da rede municipal de educação em Minas Gerais, foi suspenso pela Secretaria Municipal de Educação (Semed) com a justificativa de que haviam trechos “extremamente agressivos”. A decisão está sendo contestada por professores, pais e alunos.
A polêmica teve início com um áudio de um suposto pai de um aluno da Escola Municipal de Marechal Deodoro da Fonseca, afirmando que apesar da capa do livro indicar que a obra é sobre racismo, o conteúdo, na realidade “induz as crianças a cortar os próprios pulsos e a fazer maldade”, que está circulando no grupo de pais de alunos da cidade de Conselheiro Lafaiate.
“Oriento vocês a fazer a leitura desse livro e não deixar que as crianças leiam. Eu fui pessoalmente na Escola Marechal Deodoro, conversei com a diretora e orientei ela para retirar imediatamente esse livro de circulação. É um assunto muito grave e não pode passar batido, foi um erro da escola e da prefeitura de não ter lido o livro antes de distribuir”, diz o homem no áudio.
Ao tomar conhecimento da mensagem o pastor Chrystian Dias publicou um vídeo em suas redes sociais, mostrando trechos da obra e chamando a distribuição dos livros de “absurda”. “O conteúdo desse livro não diz nada sobre racismo”, defende.
Em meio à pressão, a secretaria publicou uma nota, na terça-feira (18/6), solicitando que as unidades escolares suspendam os trabalhos sobre a obra de Ziraldo.
Diversos pais se revoltaram com a decisão e começaram a se opor a suspensão do livro. Em entrevista ao Estado de Minas, Nara Avelar, mãe de uma criança de 9 anos da Escola Municipal Doriol Beato, afirmou que discorda da decisão.
“Recebi com grande perplexidade a notícia de que a Semed cancelou a realização de trabalhos voltados para interpretação deste livro, que é de extrema importância nos nossos dias porque trata de questões raciais, da importância da amizade e do processo do crescer. O cancelamento desse livro é uma censura sem cabimento. As pessoas que estão se manifestando contra estão retirando os trechos e imagens totalmente fora do contexto da obra”, declara Nara Avelar, mãe de uma criança de 9 anos da Escola Municipal Doriol Beato.
A professora Erica Araújo Castro, que trabalha em Conselheiro Lafaiete e em um município vizinho, contou que os problemas levantados pelo pastor e pelos grupos de pais indignados com o conteúdo do livro advém de má interpretação.
“Dois trechos do livro foram pinçados para criar esse argumento. Um deles fala sobre uma velhinha que maltratou o menino marrom, e ele ficou com muita raiva, então ficou observando ela ir para a igreja todos os dias na expectativa de que ela fosse atropelada. O que o livro oportuniza nisso é trabalhar com as crianças os sentimentos que elas têm. Precisamos que elas saibam verbalizar seus sentimentos ruins, como raiva, ciúme, inveja, para que ela aprenda a identificar e aprender o que fazer com eles”, explicou.
“O outro trecho é o do pacto de sangue. O menino marrom e o menino cor-de-rosa pensam em fazer um pacto de sangue porque são muito amigos, se amam, brincam e brigam. Mas eles desistem da faca, desistem do alfinete, e assinam com o dedinho usando tinta azul. Então, olha a oportunidade para falar sobre como a criança deve lidar com informações e sugestões externas de coisas que elas não devem fazer, de como elas devem prestar atenção”, acrescentou ela.
“Sem o livro, você perde toda essa oportunidade pedagógica em virtude de uma ignorância disseminada pela internet. O que eu tenho observado nos grupos é que quem reclama não sabe responder sobre o livro. A pessoa começa a reclamar, mas só reproduz o que viu nos vídeos que estão circulando. Elas não leram o livro”, finalizou a professora.
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