Apenas 9% dos brasileiros que comeram orgânicos entre abril e maio de 2023 faziam parte das classes D e E, diz pesquisa. Conheça iniciativas que tentam mudar essa realidade. Empreendedores mostram que comida orgânica e vegana também é consumida na quebrada
Giuliana Maciel/Divulgação Instagram
Empreendedores de diversas periferias espalhadas pelo Brasil têm apostado em negócios que facilitem o acesso ao consumo de orgânicos e veganos pelas classes mais baixas. A proposta é quebrar a barreira de que a alimentação saudável é exclusiva apenas aos mais ricos.
Uma pesquisa da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis) aponta que, dos brasileiros consumiram produtos orgânicos entre os meses de abril e maio de 2023, apenas 9% faziam parte das classes D e E.
Os dados ainda mostram que mulheres entre 25 e 34 anos, com ensino superior e remuneração mensal entre R$ 2.500 a R$ 4.000 são as maiores consumidoras de orgânicos.
Para mudar esse cenário, no interior de São Paulo os gêmeos Eduardo e Leonardo Santos estão à frente do projeto Vegano Periférico, onde dão dicas de como manter uma alimentação saudável e acessível.
Já paraibana Regina Tchelly dá oficinas e palestras em comunidades do Rio de Janeiro com o Favela Orgânica, que tem como objetivo conscientizar a população sobre o desperdício de alimentos.
Conheças as histórias deles abaixo.
🥬Vegano na periferia?
Os irmãos Eduardo e Leonardo Santos, de 27 anos, nasceram e cresceram na periferia de Campinas, no interior de São Paulo. Eles estão por trás do perfil Vegano Periférico, que conta com mais de 300 mil seguidores no Instagram.
Na plataforma, eles dão dicas de como manter uma alimentação saudável e acessível sem o consumo de produtos de origem animal. Criada em 2017, a página é responsável pelo sustento dos dois irmãos.
Diferentemente de outros influenciadores, eles não costumam fazer nenhum tipo de publicidade. Mas, além do Instagram, os gêmeos têm uma loja online onde comercializam camisetas do Vegano Periférico.
Os gêmeos Eduardo e Leonardo Santos, de 27 anos, nasceram e cresceram na periferia de Campinas, interior de São Paulo.
Giuliana Maciel
Eles também são colunistas, mantêm uma página de apoio coletivo e participam de eventos e palestras, pelos quais cobram um valor simbólico, com o objetivo de levar a “causa acessível para todas e todos”. O faturamento, em média, é de R$ 5 mil por mês.
“A página começou com um desconforto que nós tínhamos em ver uma propagação elitista, excludente, voltada apenas para uma classe média, com pessoas que tinham condições de comprar produtos, de consumir em grandes restaurantes, de frequentar feiras e tudo muito distante da gente”, explica Eduardo.
“Defendemos o fim da exploração animal de uma forma mais popular. Com uma perspectiva para a população periférica entender e lutar, que faça parte do dia a dia das pessoas. Ter uma alimentação sem nada de origem animal não pode ser algo para uma classe privilegiada”, completa Leonardo.
Eduardo está sem consumir produtos de origem animal há 8 anos e Leonardo, há 6. Ambos nunca frequentaram nutricionistas por questões financeiras, mas toda a alimentação dos irmãos é baseada em pesquisas e estudos.
Os gêmeos substituem alimentos de origem animal, além de industrializados e ultraprocessados, por grãos, legumes, verduras e vegetais. Eles costumam fazer compras em feiras ou hortas comunitárias, divulgam produtores locais e ensinam os seguidores a fazer receitas veganas.
“Você tem uma batata doce, entra na internet e pesquisa o que fazer. Tem opções grelhada, purê, hambúrguer, então vamos nos virando desse jeito”, explica Eduardo, ressaltando que passou a gastar menos com alimentação desde que adotou esse estilo de vida.
Em média, cada um desembolsa R$ 70 por semana para compra de legumes e verduras na feira. Eles também frequentam Zona Cerealistas – local onde vende produtos naturais em preço de atacada e varejo – em busca de proteínas como grão de bico, lentilha, feijão e ervilha por valores acessíveis.
“Nesse processo de virar Vegano, encontrei uma horta orgânica com 12 famílias que vivem desse dinheiro há 1 km da minha casa, e eu não conhecia. Então é importante sempre procurar uma horta na sua quebrada, sempre tem, e já ajuda os comerciantes locais”, completa Leonardo.
“Recentemente, eu fiz meus exames pra saber como estou. Todos estão perfeitos, o meu cálcio está excelente, que é a maior preocupação das pessoas”, diz Eduardo.
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🥕Menos desperdício
Regina Tchelly, de 42 anos, migrou da Paraíba para o Rio de Janeiro há mais de 20 anos. Trabalhando como empregada doméstica, ela se assustou com a grande quantidade de alimentos desperdiçados na Cidade Maravilhosa, principalmente em feiras livres.
Logo, viu uma oportunidade de ensinar as pessoas como aproveitar os alimentos e, ao mesmo tempo, correr atrás de um sonho: ser uma cozinheira de sucesso.
A paraibana Regina Tchelly, de 42 anos, tentar evitar o desperdício de alimentos com o Favela Orgânica.
Reprodução/Instagram
Em 2011, com R$ 140 levantados por meio de uma vaquinha nas comunidades Babilônia e Chapéu Mangueira, Regina criou o Favela Orgânica.
A ideia era modificar a relação das pessoas com os alimentos, evitando o desperdício. Segundo a própria Regina descreve, o projeto social “trabalha com a gastronomia criativa, seguindo uma linha do aproveitamento total do alimento, sem nada de origem animal”.
Inicialmente, a empreendedora apresentou o projeto para uma iniciativa privada que oferecia bolsa de R$ 10 mil para investir em ideias da comunidade, mas não foi aprovada.
“Ganhei meu melhor ‘não’ da minha vida. Então coloquei o Favela Orgânica para iniciar dentro da minha casa”, lembra a cozinheira.
Regina começou a pegar alimentos que seriam descartados, mas que os feirantes já deixavam separados, e levava para sua casa para improvisar receitas como: arroz colorido de talos e cascas, pão de mel de casca de banana e quiche de talo de brócolis.
Logo, fez a primeira oficina para ensinar 6 pessoas e nunca mais parou.
“A gente ensina a fazer hortas em pequenas espaços. Trabalhamos com a gastronomia, o ciclo de alimento, com a educação financeira dentro da cozinha, também temos atendimento psicológico, porque as pessoas têm que cuidar da saúde mental, além de atendimento nutricional acessível para todos”, conta Regina.
A cozinheira oferece palestras e oficinas com o objetivo de combater a fome e mudar a visão das pessoas sobre o alimento para valorizar cascas, talos e sementes, que geralmente são descartados.
Hoje ela conta com mais de 75 mil seguidores no Instagram. E é autora do livro “Receitas do favela orgânica: Aproveitamento Integral de Alimentos”, que ganhou o Prêmio jabuti, um dos maiores da literatura brasileira.
Regina faz capacitação de profissionais e aposta na gastronomia alternativa, oferecendo café da manhã, brunch, coffee break e buffets em eventos corporativos, aniversários e comemorações em geral.
No Favela Orgânica, os moradores das comunidades não pagam pelos serviços oferecidos, apenas se consumirem algum alimento no fim de semana, quando o espaço é aberto ao público e alimentos produzidos no local são comercializados.
A empreendedora não conta com patrocínios ou apoio coletivo, e o projeto se mantém com os próprios produtos. Regina também sustenta o Favela cobrando por todos os eventos, palestras, oficinas e capacitações dados fora das comunidades.
“As parcerias também me ajudam a manter o projeto. Nutricionistas, psicólogas, pequenos produtores, os próprios moradores, digitais influencers divulgam, são várias as parcerias”, diz Regina.
De onde vem os alimentos orgânicos
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