São Paulo — Com atuação em mais de 160 recuperações judiciais e falências, a empresa Brasil Trustee havia sido destituída pela Justiça de São Paulo em um dos processos para os quais havia sido nomeada. A destituição implica, por lei, a cassação da empresa por cinco anos em casos de insolvências. Em uma reviravolta, a administradora judicial obteve uma decisão que derrubou a punição. Outros juízes têm rechaçado, nas últimas semanas, uma ofensiva de empresários contra a Brasil Trustee.
O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) João Batista Paula Lima acolheu um recurso da empresa e converteu a destituição em substituição. Isso significa que o administrador judicial apenas permanece trocado por outro auxiliar da recuperação judicial da qual havia sido destituído, mas não deve perder outros processos, nem ser cassado por cinco anos.
Como mostrou o Metrópoles, a empresa havia sido destituída pela juíza Adriana Barrea. A magistrada julga a recuperação judicial da Sulamericana Industrial, do ramo da produção de papel, que acumulou dívidas de R$ 104 milhões e pediu proteção à Justiça diante das cobranças em 2022.
Nesse processo, os sócios foram afastados da empresa com base em um relatório da Brasil Trustee que apontavam desvios milionários. Um dos sócios partiu para o ataque e disse que o gestor judicial indicado pela Justiça para o comando provisório da empresa é ligado aos sócios da administradora judicial. Disse, ainda, que “sangram a empresa para obter benefícios próprios”.
Usualmente, nesses casos, a Justiça abre um incidente para investigar as acusações de desvios de conduta de seu auxiliar, que envolve ampla defesa e até mesmo perícia. Ao destituir a Brasil Trustee, a juíza afirmou que isso não foi feito e justificou: “Ainda que os fatos mereçam apuração nas vias adequadas, observando-se o contraditório e a ampla defesa, fato é que, na qualidade de auxiliar do Juízo, o administrador deverá deter confiança bastante para a condução do mister para o qual foi nomeado”.
Esse foi o ponto que ensejou a derrubada da punição pelo desembargador. “No caso em apreço, defiro a antecipação da tutela recursal para afastar a destituição do administrador judicial, vez que não houve prévia instauração de incidente próprio, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa e analisado o efetivo trabalho desempenhado pelo auxiliar no curso do processo antes da destituição”, anotou Paula Lima.
A Brasil Trustee tem feito relatórios com constatações de fraudes no caixa de uma série de empresas em recuperação e falência em São Paulo. Esses documentos foram diversas vezes acolhidos pelo Poder Judiciário. Relataram casos de caixa dois e até de empréstimos a falecidos nas empresas.
Sócios da Brasil Trustee, os advogados Fernando Pompeu e Filipe Manjerone são conhecidos por vender a imagem de “linha dura”. Em uma palestra, no ano passado, Pompeu disse que 30% dos processos têm fraudes, e que administradores judiciais, por vezes, se comportam como “samambaias” — ficam inertes — diante dos desvios.
Em uma contraofensiva, nos últimos meses, companhias sob a administração judicial da Brasil Trustee têm feito uma enxurrada de denúncias nos processos. As acusações desses empresários e seus advogados chegaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Ministério Público, que analisam os relatos.
Em resumo, eles dizem que Pompeu e Manjerona carregam na tinta em seus relatórios sobre fraudes para conseguirem o afastamento dos sócios das empresas e a nomeação de gestores judiciais ligados a eles.
Defesas de empresários têm juntado a diversos processos essas denúncias contra a Brasil Trustee. Apesar de a estratégia ter prosperado em um deles, em outros, essas denúncias têm sido rechaçadas por magistrados. Em um dos casos, que envolve uma cervejaria que faliu, o juiz Luciano Antonio de Andrade afirmou que, no caso da empresa, não houve afastamento de sócios e a empresa faliu porque não cumpria o plano de recuperação judicial.
“Ademais, das denúncias reportadas se tem que as duas vezes que este processo foi mencionado trouxe fatos inverídicos, como a venda de ativos sem autorização judicial ou a tomada de fomento com oferecimento de garantia imóvel sem autorização judicial. Como se encontra amplamente documentado nos autos, todos os bens móveis que foram vendidos o foram somente após autorização judicial, e o fomento não foi autorizado se condicionado com a oferta de garantia, o que o inviabilizou”, escreveu.
Segundo o juiz, a” própria referência a fatos inverídicos relacionados a esta falência já compromete a credibilidade ou procedência das denúncias questionável”.
Na recuperação judicial de uma empresa de peças de caminhão, a Brasil Trustee foi trocada após uma votação em assembleia de credores. Acusações parecidas foram feitas pela defesa do empresário. A juíza Giovana Mastrandea afirmou que a empresa não teve qualquer relação com o afastamento de seus sócios, o que fragiliza, segundo ela, a alegação de que a administradora judicial “adota método de destituir os administradores da empresa em recuperação judicial e indicar gestores de sua confiança”.
Sócio da Brasil Trustee, o advogado Fernando Pompeu afirma ao Metrópoles que não há uma “guerra” entre sua empresa e as que estão em recuperação. “Na verdade, a Administradora Judicial Brasil Trustee não é parte no processo, mas, sim, auxiliar do Poder Judiciário, e um dos seus trabalhos é fiscalizar as atividades das empresas em recuperação”, diz.
Segundo Pompeu, há um índice preocupante de 30% de seus processos nos quais encontrou “fraudes”, como desvios de recursos e ocultação de informações que, de acordo com ele, “prejudicam os credores, dentre eles os menores”, como trabalhistas e pequenas empresas.
“Quando encontramos essas situações, é nosso dever funcional levar ao conhecimento do Poder Judiciário, e isso faz com que essas empresas iniciem uma guerra contra a Brasil Trustee, como se fosse culpa dela fazer o seu trabalho de levar ao Judiciário as informações que tem por dever funcional levar”, afirma.
Sobre o caso específico da Sulamericana, ele afirma que a juíza optou por retirar a Brasil Trustee “possivelmente por conta dos embates, porém usou o termo destituição ao invés de substituição”. Ele diz que vai recorrer da decisão para que “isso seja aclarado”.
Ele diz que sua empresa é alvo de “ataques” porque “simplesmente faz o seu trabalho exatamente como a lei determina”. O processo para destituí-la, segundo o advogado, “não resolve o problema”, que é a devolução dos valores supostamente desviados para se somar ao pagamento dos credores lesados nos casos de fraude.
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