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Como calor e seca afetam alimentos e já deixam o café mais caro

Produtores sofrem após meses sem chuva, temperaturas mais altas e mais pragas e doenças. Com aquecimento global, colheitas podem se tornar menores nos principais estados. Calor deixa o café ‘estressado’, pode derrubar a produção brasileira e encarecer a bebida
Pragas e doenças fora de controle, meses sem chuva e lavouras inteiras sendo perdidas: essa é a nova realidade dos cafeicultores brasileiros em meio ao aumento da temperatura global e das ondas de calor.
“É uma condição muito severa mesmo, como a gente nunca viveu em anos anteriores”, relata o cafeicultor Pedro Berengani, de Cerqueira César (SP).
A série “PF: prato do futuro” mostrou como ele e outros produtores tentam amenizar esses efeitos recorrendo à técnica de plantar café sob a sombra de árvores, em vez de a pleno sol.
⚠️ O café, assim como a laranja, está entre os alimentos que correm mais risco com o planeta ficando mais quente. Isso porque eles são uma agricultura perene, como se chama a categoria dos cultivos em que só é preciso plantar uma vez e a árvore dará frutos todos os anos.
Como sombra de árvores ajuda planta a lidar com o planeta mais quente
O momento mais crítico para essas culturas é o da florada, que, no caso do café, costuma acontecer entre setembro e novembro.
Nessa época, o calor e a seca podem acabar causando o aborto floral, que é quando as flores não geram os frutos.
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Comparada com os níveis pré-industriais, a temperatura do planeta já subiu cerca de 1°C, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
A previsão é de que, entre 2030 e 2050, o aquecimento será de mais 1,5°C. Parece, pouco, mas não é. Para o café arábica, o mais produzido no Brasil, que aguenta uma temperatura entre 18°C e 22°C, o impacto pode ser devastador.
Além dos níveis de temperatura, outro efeito é que os dias em que o calor supera os 35°C se tornaram mais frequentes.
“Não foi só um mês, não é isolado. Foram vários meses, pelo menos 34 meses consecutivos com temperaturas muito acima do normal, junto com seca”, disse Ana Paula Cunha, especialista no monitoramento de secas do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden), em entrevista ao g1 em junho deste ano.
Em agosto, o órgão confirmou que o Brasil enfrentava a maior seca já vista na sua história recente.
Com este cenário, a tendência é de cada vez mais dificuldades para se manter uma boa produção do café e que estados tradicionais no cultivo, como São Paulo e Minas Gerais, percam área de plantio.
Os impactos já estão aparecendo. No início da atual safra, a expectativa era de um novo crescimento na colheita. Mas as estiagens, juntamente com altas temperaturas durante as fases de desenvolvimento dos frutos, reduziram a produtividade nacional em 1,9% na comparação com 2023, aponta a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
E as consequências vão além do café, considerando a importância do Brasil no setor, que gera empregos, influencia a economia e dá oportunidades para pequenas empresas.
Saiba mais abaixo:
Como o café é afetado pelo aumento de temperatura
Risco de perda de protagonismo
Vai ter café para todo mundo?
Como o café é afetado pelo aumento de temperatura
Com o aumento das temperaturas, parte da flora do planeta deve desaparecer das suas áreas tradicionais, aponta o relatório do IPCC.
No caso do cafeeiro, o calor elevado causa queda nas folhas e, deste modo, diminui a fotossíntese da planta. Esse processo, conhecido como estresse térmico, induz uma perda acelerada de água, explica o pesquisador Carlos Henrique, da Embrapa Café.
“Uma vez que o cafezal não tem folha o suficiente, ele não faz fotossíntese, então ele não consegue, para a próxima colheita, ter produtividade para ter novos frutos e uma quantidade melhor de grão”, explica Tatiana Nakamura, especialista em café na Nespresso Brasil.
“Você pode ter o grão também com uma de dificuldade para dar a bebida como ele sempre deu. Então, não necessariamente você vai perder só em quantidade. É possível que as condições do clima oscilaram de tal forma que você perde a qualidade”, explica Priscila Coltri, pesquisadora do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri).
A planta também fica mais suscetível a doenças e o clima é propício para o desenvolvimento pragas, relata a professora Ana Ávila, que também é do Cepagri. Um dos predadores que se desenvolvem no calor é o bicho mineiro, que se instala na folha e causa a sua queda.
Risco de perda de protagonismo
O Brasil é o principal produtor de café do mundo, sendo que apenas Minas Gerais representa mais da metade do total nacional, com uma colheita de mais de 1,7 milhão de toneladas em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O café arábica corresponde a 80% da área total de café plantado no país, aponta a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
No mundo, 58% da produção é do arábica, segundo estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2019.
O Sudeste do Brasil tem grande potencial cafeeiro por, em um quadro normal, ter estações bem demarcadas, por exemplo, as chuvas concentradas no verão e o inverno mais seco, explica Ávila.
A pesquisa de Eduardo Assad, da FGV Agro, de 2004, mostrou que, conforme a temperatura aumenta, as áreas aptas para o cultivo diminuem.
Veja abaixo as projeções que foram feitas para Minas Gerais:
Alta de 1°C: mesmo que aconteça um acréscimo nas chuvas de 15%, as áreas impróprias ao plantio do café em Minas Gerais se elevariam em 20%, representando 43% da área total do estado;
Alta de 3°C: áreas com risco de geada praticamente desaparecem e o total de terras consideradas impróprias sobe para 76,3% do estado;
Alta de 5,8°C: a cultura passa a ser possível em apenas 2,6% do Estado, e concentrada em alguns municípios do Sul, nas regiões montanhosas e de difícil manejo.
Pesquisa aponta que Minas Gerais pode ficar com apenas 2,6% de sua área apta ao café se temperatura subir 5,8°C.
Otavio Camargo / arte g1
A pesquisa também fez projeções para São Paulo, onde, quase 80% do estado é apto ao plantio de café atualmente:
Alta de 1°C: em 41% do território seria impossível plantar o grão.
Alta de 3°C: a área imprópria pode subir para 69,6% do estado.
Alta de 5,8°C: em 96,6% não seria possível plantar café, ficando restrito às regiões montanhosas.
Pesquisa aponta que São Paulo poderia ficar com até 96,6% de sua área inapta ao plantio de café por causa das altas temperaturas.
Otavio Camargo / arte g1
Em São Paulo, áreas que antes sofriam com geadas, hoje já precisam lidar com fortes ondas de calor.
Foi o que aconteceu em Cerqueira César. O produtor rural Pedro Berengan relata que, na década de 70, muitos cafeicultores abandonaram a região ou migraram para culturas como soja e milho, devido ao episódio que ficou conhecido como “geada negra”.
Na atualidade, Berengan já teve que suspender a irrigação da sua lavoura por causa da seca na represa Jurumirim.
“Porque você pensa: 10 dias fazendo 40° C, os outros 30 dias fazendo 35°C e 42 dias sem chuva, sem uma gota d’água. Então é uma condição muito extrema”, diz.
Em paralelo, estados do Sul do país poderiam aumentar seu potencial cafeeiro, justamente por perderem o alto risco de geadas. Por exemplo, a pesquisa apontou que, com o aquecimento de 1°C, o Paraná ainda teria quase 90% da sua área apta ao café.
Contudo, ao aumentar ainda mais a temperatura, também é observada uma queda no potencial, que pode se restringir em torno de 40% da área do estado, no cenário de alta de 5,8°C.
Pesquisa aponta que plantio de café no Paraná poderia ser beneficiado pelo aumento de temperatura.
Otavio Camargo / arte g1
Além do Paraná, o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, o Uruguai e a Argentina também possuem cenários onde poderiam ser beneficiados por esse aquecimento.
Contudo, essas migrações ainda não são uma realidade. Isso porque os agricultores desses estados ainda preferem o plantio de soja e milho, aponta Assad.
“Mas eu continuo insistindo: se quiser manter a produção de café, nós temos que buscar áreas com temperaturas mais amenas. Ou seja, o café tem que subir a montanha, para pegar a temperatura mais baixa, e tem que ir para o Sul do Brasil. Se não, não vai dar. Ele não aguenta. Ele realmente não aguenta”, afirma.
Contudo, “subir a montanha” não é garantia de manter a produção, uma vez que muitas áreas são preservadas e não podem ser desmatadas, aponta Ana Ávila, do Cepagri.
Vai ter café para todo mundo?
Mais de 9 milhões de toneladas de café são consumidas por ano, aponta o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (FDA).
Em 20 anos, esse número cresceu mais de 50% e deve continuar subindo, principalmente considerando que a população mundial pode aumentar em 9,9 bilhões de pessoas até 2054.
Com mais gente bebendo café e menos área para produzir o grão, a expectativa é de que, no futuro, o preço do alimento encareça, limitando o acesso à bebida.
Uma das razões para isso é que, com o clima causando mais prejuízos, menos produtores vão se interessar pelo plantio do fruto.
“Você começa a perder mais do que ganhar. Então, o que que acontece? Você produz menos. […] A questão toda é você diminuir a quantidade produzida e a qualidade da produção, aí você acaba expondo uma quantidade maior de pessoas a uma falta de alimentos e aumenta o preço”, explica Avíla.
A qualidade do café também deve cair.
“O que influencia é a quantidade de água dentro do grão no momento da torra. Quando você torra um café, a água interna age de uma forma que ela vai conduzir aquela torra. A gente tem notado que os cafés dessa safra de 24 tão muito difíceis de torrar”, explica Marcelo Gasparoto, consultor em qualidade de café e torrefação.
Mas não é preciso decretar o fim do café. Atualmente, existem pesquisas que buscam desenvolver variedades que são mais resistentes ao clima, além de técnicas de manejo mais sustentáveis ajudarem a resfriar a produção.
Cafezinho em risco: como sombra de árvores pode ser solução para aumento da temperatura

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