A regulamentação das stablecoins virou um assunto recorrente nas conversas dos integrantes do mercado de ativos digitais no final de 2024, notadamente após a audiência pública realizada pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados[1] que tratou sobre o tema, da consulta pública de proposta de regulamentação da prestação de serviços de ativos virtuais lançada pelo Banco Central[2] e das falas do seu presidente[3] – que deixou claro que a regulamentação é uma realidade para 2025 -, bem como diante da apresentação do PL 4.308/2024[4] pelo deputado federal Aureo Ribeiro, cujo objetivo é disciplinar a utilização das stablecoins no Brasil.
Não é de desconhecimento geral que há, ainda, um notório descompasso entre a estrutura normativa de diversos países com as novas “manifestações de riqueza”[5] que surgiram desde o advento do protocolo Bitcoin.
O Estado, dentro do seu papel normatizador e na qualidade de ente responsável pela direção e supervisão da atividade econômica, baseado na busca do interesse público, age inevitavelmente e legitimamente no exercício de sua soberania ao promover a regulamentação das stablecoins – gostemos disso ou não.
Partindo da premissa que a regulamentação das stablecoins é inevitável e necessária para mitigar riscos sistêmicos, bem como para promover maior segurança jurídica e para combater a criminalidade[6], cabe a nós, como sociedade, como integrantes, estudiosos e entusiastas do mercado e do universo dos ativos digitais, por meio do debate público e da cobrança de uma atuação ativa do Legislativo, garantir que esse processo ocorra de forma equilibrada, sem prejuízo às liberdades individuais e à eficiência econômica brasileira.
Não podemos adotar um pensamento maniqueísta, contrapondo um suposto mal absoluto, representado pelo ente estatal, aos detentores de ativos digitais, fervorosos defensores de uma completa (e utópica) descentralização.
Tanto a centralização quanto a descentralização têm seus papéis, benefícios e limitações, residindo o desafio em encontrar um equilíbrio que respeite a soberania estatal e a liberdade individual, sem o sufocamento da inovação.
Um exemplo prático disso são os países crypto-friendly[7] como a Suíça, os Emirados Árabes Unidos e Singapura, que por terem vislumbrado os vastos benefícios decorrentes do uso dessa tecnologia, abraçaram a adoção dos ativos digitais e criaram estruturas regulatórias claras que fomentam o desenvolvimento de ecossistemas inovadores.
Nessas jurisdições, empresas e indivíduos podem operar com segurança, previsibilidade e, muitas vezes, sob regimes de baixíssima tributação, o que, por sua vez, atrai investimentos, estimula a criação de soluções tecnológicas de ponta e promove um crescimento sustentável do mercado.
Um desejo recorrente entre os atores idôneos do mercado de ativos digitais é escapar da incerteza e da marginalização geradas pela insegurança legislativa e pela narrativa frágil e incorreta disseminada pela “grande mídia”[8], que, não raramente, associa o Bitcoin e outros ativos digitais a práticas delitivas.
Por esse motivo, como integrante da comunidade que não apenas acredita no potencial transformador dos ativos digitais, mas que também dedica sua carreira, finanças e tempo a esse universo, defendo uma solução razoável de regulamentação equilibrada, capaz de respeitar a essência descentralizadora do “espírito do Bitcoin” ao mesmo tempo que cria um contexto de segurança jurídica capaz de separar de forma clara os atores legítimos daqueles que promovem empreitadas criminosas.
[1] https://www.camara.leg.br/noticias/1117421-regulamentacao-das-stablecoins-e-tema-de-audiencia-na-camara-dos-deputados-na-quinta/
[2] https://www.bcb.gov.br/detalhenoticia/20395/nota
[3] https://livecoins.com.br/banco-central-proposta-regular-corretoras-criptomoedas-proibir-auto-custodia/
[4] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2467716
[5] UHDRE, Dayana de Carvalho. Blockchain, tokens e criptomoedas: análise jurídica. São Paulo. Almedina, 2021.
[6] A Chainalysis afirmou em seu “Relatório de Criptocrime de 2024”, disponível em, https://www.chainalysis.com/blog/2024-crypto-money-laundering/, que as stablecoins, especialmente o USDT (Tether), superaram o Bitcoin como a criptomoeda mais utilizada em atividades ilícitas ao redor do mundo.
[7] Donald Trump, recentemente reeleito para ser o próximo presidente dos Estados Unidos, afirmou que seu governo irá implementar um projeto ambicioso para transformar os Estados Unidos na capital mundial de criptoativos. Segundo ele, essa iniciativa busca criar um ambiente regulatório favorável à inovação, atrair investimentos globais e consolidar o país como líder na economia digital emergente. Trump destacou ainda que o objetivo é estimular o crescimento do setor enquanto garante segurança jurídica e proteção contra práticas ilícitas. Disponível em: https://exame.com/future-of-money/trump-promete-projeto-para-transformar-eua-em-capital-mundial-de-cripto/
[8] Em conjunto com o Prof. Dr. Spencer Toth Sydow, em artigo publicado no Conjur, apontamos que o operador do Direito deve saber distinguir os atores que trabalham legitimamente no mercado de investimentos em ativos digitais, valendo-se da liberalidade do mercado para obter lucros, daqueles que se apoiam em ardis claramente enganosos. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-jul-25/legitimidade-x-demonizacao-contexto-juridico-dos-investimentos-em-criptoativos/
Fonte: Regulamentação das stablecoins deve beneficiar o país sem comprometer a liberdade econômica
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